quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A Morte e a Elaboração do Luto na Visão de Alguns Autores

Resumo: A vida e a morte coexistem no espaço do corpo desde o nascimento. Não obstante, esta constatação morte e morrer são palavras que as pessoas costumam evitar dizer e duas questões sobre as quais a maioria de nós procura não pensar. Este estudo teve como objetivo geral investigar na literatura as várias leituras de morte através de uma análise conformativa e mais especificadamente abordar os principais aspectos que facilitam e dificultam a elaboração do luto. Problematiza a necessidade de um aprofundamento sobre o tema e os inúmeros questionamentos sobre os meios de minimizar a angústia e o medo que envolvem o homem diante da morte, da infância à velhice, abordando os aspectos psicológicos que giram em torno da mesma. Para tanto, buscou-se aporte teórico em Assunção (2005),Ariés (1998), ,Bowlby (1984 ), Cassorla (1988 ), Kóvacs (1998;2002 ) Kübler-Ross (1996;1998 ), dentre outros. Constatou-se, na literatura, a tristeza e a depressão como processos naturais diante da perda de alguém querido e a importância do apoio da família e dos amigos na sua superação. Contudo quando o processo de pesar se alonga e cursa com patologias, há necessidade de intervenções psicoterapêuticas.

Introdução

A vida e a morte coexistem no espaço do corpo desde a concepção e os contrários tornam-se um só em um diálogo em que nunca desaparecerão. Assim, o início e o fim, os segundos e o nada, os opostos e os contrários falam à natureza humana, habitando o corpo com o paradoxo da vida e da morte.
Morte e morrer são palavras que as pessoas costumam evitar dizer e duas questões sobre as quais a maioria de nós procura não pensar. Essa dificuldade de conviver e de trabalhar com a idéia da morte atrapalha a sua elaboração e impede que se lide com tranqüilidade com as perdas, que são naturais e ocorrem inevitavelmente ao longo da vida.
A morte faz parte da vida e é um ritual de passagem do qual não se pode esquivar, pois todo aquele que nasce um dia também morrerá. Mas apesar de se reconhecer a inevitabilidade da morte ainda existe muito tabu diante deste fato e o silêncio é utilizado como um subterfúgio para melhor lidar com o acontecimento.
Este estudo teve como objetivo geral investigar na literatura as várias leituras da morte através de uma análise conformativa e mais especificadamente abordar os principais aspectos que facilitam e dificultam a elaboração do luto.
Problematiza a necessidade de um aprofundamento sobre o tema e os inúmeros questionamentos sobre os meios de minimizar a angústia e o medo que envolve o homem diante da morte, da infância à velhice, percorrendo através de um breve histórico a abordagem dos aspectos psicológicos que giram em torno da mesma. Para tanto, buscou-se aporte teórico em Ariés (1989), Assunção (2005) Bowlby (1984), Cassorla (1998), Kóvacs, (1998; 2002), Kübler-Ross (1996/1998), dentre outros.  

A Morte e o Homem: um breve histórico

O homem sempre viveu sob o impacto da morte. No século XIV, por exemplo, a “peste negra” que determinou graves perturbações econômicas, sociais e psicológicas, caracterizou a visão catastrófica da morte que atormentava e angustiava a sociedade. A morte era prematura, infligia tormento insuportável e tornava o homem um objeto repugnante para si e para o outro. Adultos e crianças sabiam que logo morreriam e o indivíduo arcava sozinho com a fúria da “morte negra”, pois a defesa tecnológica era insuficiente, os procedimentos médicos eram inúteis e o controle, os ajustamentos sociais, a religião e a magia tampouco ajudavam. A morte, portanto, era inevitável.
Vale dizer que a esta época não havia promessa de gloriosa imortalidade e a morte era vista como terror e fonte de castigo. A expectativa de vida era limitada, havia maior proximidade física com a morte e sensação de pouco ou nenhum controle sobre a natureza.
Assim, a morte, embora temida, era considerada natural durante a idade média, passando a ser ocultada a partir do século XIV. Se na antiguidade o homem jamais perdia de vista a idéia de que iria morrer, mais tarde adota a mentira sistemática ou o silêncio, como forma de afastar do cotidiano a morte inevitável.
O século XIX caracterizou-se por uma preocupação interessante, por parte das mulheres e dos clérigos, em fazer com que as crianças mortas fossem imaginadas vivas num além parecido com uma “Terra sem Mal”, onde esperavam a reunião de toda a família. A mãe idealizava a criança morta e chegava até a servir-se dela como um anjo ou santo, perpetuando as suas formas idealizadas através de estátuas, de forma a comover violentamente a todos que as vissem.
Ariés (1989) (apud. Angerami-Camon- Org) aponta uma significativa mudança em relação ás atitudes perante a morte nas sociedades ocidentais a partir do século XX, em que cada vez mais a morte é banida do discurso cotidiano, é afastada, ocultada e temida.
Na sociedade atual, prevalece a negação da temática morte. Esta negação da existência da morte causa grandes dificuldades aos adultos em nível existencial, bem como dificulta, sobremaneira, a adequada compreensão do processo pelas crianças.  Antigamente, o velório ocorria na casa do morto, contando com a participação da família, amigos, parentes e comunidades. O velório caracterizava-se pelo momento de rever e se despedir do falecido, estimulando as emoções, trazendo-as á tona para que se baixassem as defesas diante da situação da morte.
Atualmente, em contrapartida, o velório ocorre longe das casas dos mortos e o enterro é providenciado o mais rápido possível. Em ambos, as demonstrações de pesar ou lágrimas são desencorajadas. Não raro, expressão como “o homem não chora”, “seja forte”, “foi melhor assim”, são fatores de repressão dos próprios sentimentos, principalmente em se tratando de sentimentos expressados pelo sexo masculino. No caso das mulheres enlutadas, é esperado que “cuidem” dos que ficaram, sejam eles filhos, companheiros, irmãos, genitores, enfim não se pode “chorar” o morto, pois a vida à sua volta continua e a mulher tem um “papel” fundamental na situação de bem- estar dos familiares vivos.
O significado da morte vem sendo estudado, sofrendo influências históricas e culturais ao longo do tempo. Da mesma forma, os rituais a ela relacionados variam de acordo com a história de um povo e sua cultura. O homem moderno tem procurado mecanismos que permitam o distanciamento da morte mediante cuidados com a saúde física, evitando ou se protegendo contra os riscos da morte antecipada, não se expondo a situações de muita vulnerabilidade e riscos desnecessários.
 Fugir da morte ou do enlutamento pode ser perigoso. Cassorla (1998) chama a atenção para o problema resultante do luto mal-elaborado quando o mesmo, tal qual doença contagiosa é afastado por várias gerações de uma família, o que pode trazer danos futuros aos seus membros no que tange à baixa do sistema imunológico com conseqüente aparecimento de doenças, como também colaborando com o desenvolvimento de comportamentos anti-sociais, como a criminalidade, o uso de drogas e o suicídio.
Vale ressaltar que o luto mal-elaborado também se encontra presente entre os profissionais de saúde que lidam diretamente com pacientes terminais, que tendem a não expressar seus sentimentos de tristeza, de dor e de pesar por meio do abafamento dessas sensações, em busca da eficácia de suas atividades laborais. Porém, ao camuflarem os seus sentimentos de pesar, estes profissionais podem comprometer a relação com seus pacientes pelo fato deles se apresentarem-se formais e impessoais no trato com os mesmos (KÓVACS, 1998; 2002; KÜBLER-ROSS, 1996; 1998)

A Criança Diante da Morte

De acordo com Bowlby (1984), antes que alguém possa compreender o impacto da perda e o comportamento humano a ela associado, deve-se compreender o significado do apego. Segundo ele, o sentindo básico do apego pode ser definido como o tom emocional entre as crianças e seus genitores e é evidenciado quando o bebê procura e se agarra à pessoa que dele cuida e normalmente essa pessoa é a mãe.
Na primeira fase chamada pré-apego, que acontece do nascimento até 12 semanas, o bebê se orienta por sua mãe, segue-a com os olhos. Na segunda fase, chamada de formação do apego de 12 semanas a 6 meses, o bebê se apega a uma ou mais pessoas do ambiente. Na terceira fase, conhecida como formação do apego que dura de 6 a 24 meses, a criança chora muito e demonstra outros sinais de perturbação quando separada da figura de apego ou da mãe. Já na quarta fase, que ocorre entre os 25 meses ou mais, a figura materna é vista como independente, e inicia-se um relacionamento mais complexo entre a mãe e a criança.
Na visão de Assunção (2005), a criança urbana tem muito pouco contato com a morte natural. Através da televisão ela vê, com muito maior freqüência, a morte brutal. Isto impacta negativamente a criança que cria certa repugnância por esse fenômeno natural com o qual as crianças do meio rural lidam muito melhor.
Na natureza percebe-se claramente a interação entre a vida e a morte: o dia morre para nascer à noite. A flor morre para nascer o fruto. As etapas da vida vão morrendo para dar lugar a outras que vão nascendo. E por vivenciarem no seu cotidiano a morte de uma forma tão natural, as crianças quase não a temem.
Diante do exposto, percebe-se que falar com as crianças sobre a morte, de uma maneira natural e sempre que aparecerem oportunidades para isso, é saudável e oportuno. E, quando morre alguém na família, não se deve privar a criança de participar dos ritos fúnebres, exceto quando a própria criança se recusa a fazê-lo. Mesmo nesses casos, reitera Assunção, deve-se conversar com ela, explicando-lhe o que aconteceu. Caso ela manifeste o desejo de participar, torna-se necessário conduzi-la da maneira menos traumática e mais natural possível, no caminho entre a aproximação e a despedida.
Ainda de acordo com Assunção (2005), as crianças até 5 anos de idade não reconhecem a irreversibilidade nem a universalidade da morte. Também não são capazes de distinguir a diferença entre aqueles que morreram (seres vivos) e aqueles que não morreram (por exemplo, um boneco). Portanto, querer dar-lhes explicações dentro desses conceitos será uma tarefa difícil.  Já entre 6 e 9 anos, elas compreendem  a irreversibilidade da morte e distinguem os seres humanos que morrem dos objetos que não morrem, por isso é mas fácil conversar com elas sobre a morte. Nessa idade, afirma o autor, já existe uma compreensão quase completa do que é a morte.
Assim, é necessário dizer a verdade para a criança, uma verdade que ela possa compreender e que a ajude a sentir-se apoiada em seu sofrimento, que reforce a confiança que ela tem nos adultos que a cercam, que não a abrigue a negar ou esconder os seus sentimentos, o que lhe assegurará um equilíbrio frente às situações de perda durante sua vida adulta.
Desse modo é importante que a criança perceba o quanto a dor da perda também nos afeta para que possa expressar seus próprios sentimentos, o que sugere uma oportunidade de corrigirmos algumas distorções que o egocentrismo e o pensamento mágico possam trazer. .A criança, percebendo que a vida continua e que não há necessidade de apagar o amor por aqueles que partiram nem esquecer as alegrias com eles vivenciadas, não acrescentará mais dor ao seu sofrer (ASSUNÇÃO, 2005).
Para falar com a criança sobre a morte é preciso sensibilidade para considerar os sentimentos da criança. Confrontada precocemente com a morte, especialmente com a morte de um dos pais, a criança não viverá mais no mesmo mundo de antes. Quem fica não pode apagar essas marcas, mas não precisa acrescentar outras, igualmente dolorosas.

A Morte para o Adolescente e o Adulto Jovem

Na perspectiva do desenvolvimento fisiológico, Papalia e Olds (2000) definem adolescência como um momento que se inicia por volta dos 12 anos, quando o indivíduo atinge a puberdade, e finaliza próximo aos 20 anos. Associada às mudanças físicas, se evidencia a busca por autonomia, o que resulta numa fase intensa, caracterizada por situações conflitantes e ansiogênicas, que terão influência significativa nas formas como a pessoa enfrentará os desafios futuros.
Calligaris (2000) postula que o adolescente, no seu contexto familiar, geralmente perde o olhar de amor incondicional que lhe era dado quando criança e não ganha os direitos e o reconhecimento de um adulto. Tal fato distancia o adolescente de sua família e o aproxima de grupos nos quais pode ser reconhecido como igual. Trata-se de uma época caracterizada pela vulnerabilidade, o que se traduz muitas vezes em sofrimento psíquico e em episódios de depressão, por exemplo.
Segundo Bee (1997), o final da adolescência ocorre por volta dos 20 anos, dando início ao período compreendido como “adulto jovem”. Essa etapa é descrita pela autora como o ápice do desenvolvimento físico e cognitivo. As expectativas prescritas para essa etapa giram em torno de definições profissionais, da conquista da autonomia e de relacionamentos mais estáveis, no que tange à sexualidade e à constituição da família (PAPALIA; OLDS, 2000; ERICKSON, 1976). Cabe ressaltar que essas expectativas demandam estabilidade e não consideram as descontinuidades que povoam a vida na contemporaneidade, entre elas, a morte.
Paradoxalmente, no que se refere às expectativas de vida de jovens, significativas transformações têm ocorrido, de modo que a morte deixa de ter um significado social e cultural distante do cotidiano. Cada vez mais, devido a fatores como a violência em diferentes âmbitos e a doenças infecto-contagiosas, os jovens têm se deparado com a morte. Domingos e Maluf (2003) consideram que a perda ocasionada pela morte da pessoa próxima, na maioria das vezes, provoca uma desorientação profunda na vida dos adolescentes. Assim, dependendo do vínculo criado com o falecido e da própria personalidade do jovem, podem ocorrer choque e desespero, fazendo com que este se sinta perdido. Além disso, a perda de uma pessoa próxima pode gerar no adolescente a consciência da própria mortalidade, contrapondo-se com o sentimento de invulnerabilidade comum a este período da vida.
No período pós-perda, são vivenciados processos de elaboração do luto no qual ocorrem fenômenos de enfrentamento de perdas significativas e de elaboração da dor derivada das mesmas (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2003). O período de vivência do luto costuma ser caracterizado por diversas mudanças. Além de ter que lidar com o pesar da perda, o adolescente ou o adulto jovem passa por rupturas, descaracterizando sua condição de filho e protegido para situá-lo no campo da orfandade. (PAPALIA; OLDS, 2000).

O Idoso e a Morte

A idade avançada traz consigo a aproximação da morte. A velhice, vista por muitos como o começo do fim, aos olhos da pessoa idosa, de acordo com estudiosos do assunto, associa-se muito mais ao medo da dependência do que da morte. É necessário considerar que a velhice expõe as pessoas a muitas perdas, tanto sob o ponto de vista físico quanto emocional e social. Nesta fase a fé ou a devoção religiosa fortalece a aceitação da morte e é um recurso amenizador da solidão ou do sofrimento da perda.
Pesquisas apontam que morre bem quem viveu bem. Para Zimerman (2000), as pessoas idosas com maior dificuldade de elaboração da morte são aquelas que não conseguiram estabelecer um bom relacionamento com as pessoas em vida, o que sugere uma reflexão sobre a avaliação dos afetos e sua importância no devir.

O Processo de Luto

Segundo Kastenbaum e Aisembesrg (1983), a morte sempre existiu, mas nem sempre teve representações nítidas em nossas mentes. Portanto, precisamos morrer, até porque iremos ajudar a perpetuar a espécie que se nutre da morte de seus indivíduos para se preservar.
 O processo de luto ocorre quando perdemos alguém muito próximo. A maioria das pessoas enlutadas é capaz de com o tempo, e com a ajuda da família e amigos, de reconciliar-se com sua perda e retomar as suas atividades normais. Para outras, no entanto, é indicado ajuda psicoterapêutica.
Para Worden (1998), é essencial que a pessoa enlutada realize quatro tarefas básicas, antes que o processo de luto possa ser completado. Segundo ele, tarefas de luto não elaboradas podem prejudicar o crescimento e desenvolvimento futuros. Diz que essas tarefas não precisam ser necessariamente seguidas, em ordem especifica, mas ele sugere a seguinte ordem:
I – Aceitar a realidade da perda;
II – Elaborar a dor da perda;
III – Ajustar-se a um ambiente onde está faltando a pessoa que faleceu;
IV – Reposicionar, em termos emocionais, a pessoa que faleceu e continuar a vida.
De acordo com Freud (1913, p.65) “o luto tem uma tarefa física que precisa cumprir: a sua missão é deslocar os desejos e lembranças da pessoa que faleceu”. Assim, como a criança passa por etapas para seu desenvolvimento saudável as etapas do luto também precisam ser vivenciadas para que não ocorram traumas ou danos futuros.
A tanatóloga e psiquiatra Kübler-Ross (2004, p.561) em seu trabalho com doentes em fase terminal, verificou que na maioria dos casos os mesmos recebiam de bom grado a oportunidade de falar abertamente sobre sua condição e sabiam que estavam perto de morrerem, embora não recebessem informação sobre esse fato.
Depois de falar com 500 pacientes terminais, Kübler-Ross (1969-1970) definiu cinco estágios durante o processo de reconciliação com a morte, são eles:
I - Negação (recusa em aceitar a realidade que está acontecendo);
II - Raiva (as pessoas ficam frustradas e com raiva por estarem doentes e podem transferir sua raiva para o pessoal do hospital e para os médicos);
III - Barganha (os pacientes podem tentar negociar com médicos, os amigos ou mesmo com Deus em troca de cura, prometem, fazem doações, freqüentam igreja);
IV - Depressão – neste estágio, os pacientes apresentam sintomas clínicos de depressão, retraimento, retardo mental, perturbação do sono, desesperança e possivelmente idéia de suicídio;
V - Aceitação – neste último, os pacientes compreendem que a morte é inevitável e aceitam a universalidade da experiência. Seus sentimentos variam de humor neutro e eufórico, e em circunstâncias ideais, resolvem seus sentimentos para com a inevitabilidade da morte e conseguem falar sobre o enfrentamento do desconhecido.
Para Kübler-Ross (1998), nem todas as pessoas passam por estes estágios e algumas podem passar por eles em seqüência diferente, oscilando entre a raiva e a depressão ou podem sentir ambas ao mesmo tempo.

Aspectos Psicológicos da Perda

A perda de um ente querido é uma experiência muito difícil, pois quaisquer tristezas, sejam elas simples ou graves, impactam negativamente o psiquismo do indivíduo. As pessoas que fazem parte da nossa vida têm um significado especial, são preciosas e por mais que todos nós saibamos que um dia vamos morrer, e que a qualquer momento podemos perder alguém querido, não se pode imaginar o sofrimento e as conseqüências que esta perda pode trazer.
Sabe-se que a perda de um ente querido impõe a familiares e amigos a aceitação da morte e de sua irreversibilidade. A partir desse momento essas pessoas começam uma nova etapa de suas vidas. Conseqüentemente desfazem os laços que os uniam e reorganizam suas vidas para aprender a viver sem aquele que partiu.
Acontecem varias mudanças tanto psicológicas quanto espirituais e alterações na rotina das pessoas para sempre. De acordo com Pitta (1999) algumas características dos aspectos psicológicos são:
  • Insensibilidade e descrença: a pessoa se conforma com o que aconteceu, mas nada sente, é normal esse sentimento durar horas ou dias. A pessoa enlutada diz "eu não posso acreditar.", mostrando que a verdade dolorosa ainda não foi aceita.
  • A procura: muitas vezes a pessoa tenta encontrar com aquela que morreu indo ao cemitério, perambulando pelos cômodos da casa e outros lugares.
  • Raiva: algumas pessoas tentam responsabilizar alguém pela morte. Muitas vezes dirigem essa culpa aos profissionais da área da saúde, outras ficam furiosas com Deus e há a negação da fé.
  • Culpa: a pessoa se sente culpada pela morte do ente querido
  • A ansiedade: a pessoa fica inquieta, pois sua rotina foi quebrada.
  • Lamentação: quando a perda foi reconhecida, começa o período de lamentação.
  • Sensações corporais: é normal ouvir a voz, os passos, ver o rosto da pessoa no meio da multidão.
  • Atitudes e maneiras do falecido: a pessoa enlutada assume alguns papeis do falecido, negócios, trabalhos inacabados, etc.
  • Depressão e desespero: a pessoa se sente desamparada sem nenhum objetivo de vida, nada mais lhe importa.
Depois das características demonstradas pode-se perceber que cada pessoa reage de maneira diferente diante da situação da morte de um ente querido. Apesar de a morte ser o que temos de mais concreto em nossas vidas, Zimermam (2000, p.117) enfatiza que junto com a perda da pessoa existe o final de uma fase da vida:
As perdas são parte da vida: quando morre a mãe, morre também parte da nossa infância e adolescência; quando morre um filho, morre em nós o futuro previsto junto àquele filho, o sonho de vê-lo um profissional, pai de nossos netos, a pessoa que nos acompanharia até o fim de nossa vida.
As perdas são necessárias porque para crescer temos de perder, não só pela morte, mas também por abandono, pela desistência. Em qualquer idade, perder é difícil e doloroso, mas só através das perdas os seres humanos tornam-se plenamente desenvolvidos. Cabe salientar que as perdas incluem não apenas separações e abandonos, mas também a perda consciente ou inconsciente, de sonhos românticos, ilusões de segurança, expectativas irreais e outras. As perdas que enfrentadas ao longo da vida e das quais não se foge são basicamente duas: - Que o amor de nossos pais não é só nosso. - Que nossos pais vão nos deixar, e que nós vamos deixá-los.
Vale ressaltar que para o processo de recuperação ser facilitado é indispensável a ajuda e amizade de outras pessoas que já tenham passado por essa experiência. Os sentimentos de ansiedade e insegurança desaparecem aos poucos, dando lugar à confiança. Depois que a tristeza passa a pessoa descobre que pode retornar às suas atividades e outros interesses.

O Morrer: processo do luto antecipatório

Segundo Freud, (1999 apud Torres) “A vida, por, mas breve que seja, merecerá sempre ser vivida em toda sua plenitude. Nem a morte consegue ofuscar a validade de seus belos e inesquecíveis momentos.”
Como os membros de uma sociedade negadora da morte, carecemos de recursos para acompanhar esse estágio final da vida, sobretudo quando é uma criança que está morrendo. A morte de uma criança é um insulto, é traumática e suscita culpa. Não obstante, ”a morte não segue um horário previsível, ela escolhe seu próprio tempo e lugar” (KÜBLER-ROSS, s/d).
No câncer, a título de exemplo, quando de longa duração e sem perspectiva de cura, configura-se a fase terminal. Assim, não havendo mais recursos para deter o curso da doença e da morte, duelar com a doença somente traria mais sofrimento para o paciente e aqueles que o cercam. Neste caso, afirma Perina (1994), com o diagnóstico do câncer se conhece o mundo das doenças e com as recaídas, a incerteza do futuro e a possibilidade de ficar para sempre aprisionado no mundo subterrâneo da morte.
Feigemberg (1980) diz ser significativo o fato de a terminologia psiquiátrica e psicológica ter poucas palavras descritas para variedades de emoções e modos de reação ao morrer. A morte, na visão do autor, não é uma doença e não pode ser descrita somente em termos médicos e biológicos. Afirma ainda que, por tradição prevalece o lado biológico do morrer e da morte, e este é usualmente o ponto de referência. Mas o morrer tem um aspecto psicológico que é dominante, pois enquanto o componente biológico se torna cada vez mais uniforme – caracterizado por sintomas inespecíficos tais como fadiga e dor -, o componente psicológico se torna cada vez mais dinâmico e repleto de experiências emocionais.
O luto,como já se analisou, passa por um curso que vai de um choque inicial passando pelo desespero para chegar à recuperação e restituição, e pode se manifestar por diversos sintomas tais como choro, pertubações somáticas, pertubações do sono, reações hostis, culpa e depressão. Alem disso, em todo o luto há inevitavelmente tristeza e raiva. A família está triste porque está perdendo uma relação significativa e, de certa forma, está morrendo junto com a pessoa querida.

As Reações Psicossomáticas

O pesar nunca é limitado pela psique. Há também uma morbidez enorme originária das condições relacionadas com a tensão. Os ataques de colite ulcerativa, por exemplo, podem coincidir ou estar intimamente ligados com a perda do ente querido. De forma igual aumentam outras patologias de caráter auto-imune nas pessoas recentemente enlutadas.
Como se sabe, são características aqui as hipocondrias. Quando passageiras, fazem parte do pesar típico; mas se persistentes, indicam a necessidade de uma ajuda maior. Quando um paciente é deixado sozinho para educar uma jovem família, uma preocupação muito grande com sua saúde é uma conseqüência da ansiedade em que viverá sobre quem assumiria as tarefas se ele ou ela adoecessem. Sentir os sintomas da moléstia do falecido é um fenômeno de identificação, observado, sobretudo, no pesar crônico, ou um substituto parcial do pesar.
Não é de causar surpresa, em alguns casos, que a depressão associada ao pesar típico atinja formas mais graves. Nesses casos, pode-se chegar ao risco de suicídio. As idéias suicidas, muitas vezes, são uma manifestação do desejo de unir-se ao falecido e isto pode ser tolerado e elaborado com ajuda. Para outros pacientes, a vida realmente parece não valer à pena, ou aparecem idéias delirantes de culpa ou de malvadez. Isso deve ser levado a sério e a internação hospitalar de faz necessária, especialmente se o paciente vive sozinho.
A dor da perda, quando normal, pode ser assistida por amigos e familiares do enlutado, com a assistência necessária durante os funerais e, talvez por algumas semanas mais. Quando esta perda se configura em patologia, precisa de tratamento. As pessoas em isolamento social têm a possibilidade de um processo de pesar mais complicado, portanto necessitam de uma ajuda maior e mais prolongada.

Os Profissionais Diante da Morte

A maior parte dos profissionais da área da saúde, na sua lide cotidiana, está exposta à visão de morte mais que o restante da população, o que não os deve impedir de se preocupar e refletir sobre ela. De acordo com Pincus (1989), a morte é um acontecimento importante e deveria ser dado a estes profissionais o mesmo tempo de pesar que às outras pessoas, o que nem sempre acontece. Ao enfrentarem uma morte após outra, os profissionais da saúde podem imergir em um quadro de tristeza que pode levá-los ao estresse, provocando ora cansaço, ora atividade exagerada, cursando irritabilidade com outros problemas, o que eventualmente prejudicará sua eficiência no trabalho, podendo interferir na sua vida pessoal e familiar.

Reflexões Conclusivas

Morte e morrer são palavras que as pessoas costumam evitar dizer e duas questões sobre as quais a maioria de nós procura não pensar. Essa dificuldade de conviver e de trabalhar com a idéia da morte atrapalha a sua elaboração e impede que se lide com tranqüilidade com as perdas, que são naturais e ocorrem inevitavelmente ao longo da vida.
O luto é o sentimento de pesar ou de dor pela morte de alguém querido. O processo de luto e consternação pode ser breve e duradouro, de início súbito ou tardio, de pouca ou maior intensidade. Muitas pessoas descrevem um atordoamento como a primeira reação após a perda, que associado à negação, age como protetor que ameniza o sofrimento. No entanto, o luto é necessário para se encontrar um posterior equilíbrio e a sensação devastadora da perda requer, naturalmente, algum tempo para que possa ser processada.
A forma concreta de lidar com a morte e expressar o luto varia muito. Assim, pode ir de uma rápida superação até o extremo da obrigação de mostrar aos outros sentimentos de tristeza, dor e desespero por um longo período. Já outras pessoas permanecem enclausuradas no afastamento causado pelo pesar porque, embora solitárias e desoladas, isto as protege da tensão do ajustamento a um novo papel. Paradoxalmente é a difícil arte de sobreviver à ausência de pessoas queridas que nos torna aptos a recomeçar a vida.
Os sentimentos de ansiedade e insegurança desaparecem somente aos poucos, para dar lugar à confiança. Este processo de começar de novo pode ser facilitado com a ajuda e a amizade de outros que já tenham passado por uma experiência similar, tanto informalmente como por intermédio de uma organização.
O prolongamento do luto, quando a dor da perda se estende por muito tempo, é classificado como “luto patológico” e se caracteriza por uma melancolia duradoura, acompanhada em geral de profunda tristeza, problemas de saúde, distúrbios psíquicos e diminuição dos contatos sociais, o que exige processos de readaptação, com a ajuda de profissionais habilitados.
O tempo é visto como um poderoso aliado para o alívio da dor e sofrimento gerados pela morte de alguém querido. Os recursos internos, compreendidos pela saúde física e emocional, assim como os externos, constituídos pela rede social, são ferramentas importantes para a elaboração da perda, a despeito da dor e da tristeza. Para algumas pessoas, a descoberta de que é possível sobreviver à morte de alguém querido fortifica seu caráter descortinando-lhes novas possibilidades, o que lhes permite redirecionar a vida para novos horizontes e interesses.
Esse seria o resultado ideal, mas existem muitas complicações e obstáculos até o processo de pesar terminar, e o reconhecimento disto é importante para possíveis intervenções profissionais que aliviem um pouco do sofrimento e permitam que a morte e o enlutamento sigam seu curso natural.

AUTORES:
Claudete Cassimiro da Silva - Graduada em Psicologia pela Faculdade Santo Agostinho – Teresina-PI. Estudante do Curso de Pós-Graduação em Gestão de Sistemas de Saúde Pública apresentada a Múltipla Educação Profissional em Teresina – PI.
Orientadora Virgínia de Sá e Palis - Graduada em Licenciatura Curta em História pela Fundação Educacional de Ituiutaba-FEIT, Ituiutaba-MG - Graduada em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade do Triângulo-UNITRI, Uberlândia-MG – Especialista em Gerontologia Social pela Universidade Federal do Piauí-UFPI – Profª da Rede Particular de Ensino – Profª do Programa de Extensão Universitária para a Terceira Idade – PTIA-UFPI – Profª da UNATI – Universidade Aberta para a Terceira Idade-UESPI

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