sexta-feira, 13 de março de 2015

Luto e fenomenologia: uma proposta compreensiva

 

4. Segunda Redução: A Intersubjetividade e a Imposição de uma Mudança no Modo de Apresentação do Tu

Como assinalamos na introdução descrevemos o luto como uma mudança abrupta nos modos de apresentação do tu. Ao falarmos do luto como uma mudança abrupta em uma relação eu-tu, o nosso próximo passo nos leva invariavelmente a um dos problemas centrais da fenomenologia: a questão do outro e da revelação da subjetividade como intersubjetividade. O outro aqui se apresenta como existencialmente dado e não como ciência. O outro não é um ob-jectum do meu conhecimento, mas sujeito coexistente em minha experiência de ser-no-mundo, calcado nesse "fundo", nessa situação comum que é nossa intercorporeidade. É uma evidência irrefutável, não uma pressuposição. Como nos ensina Merleau-Ponty (2002, p. 169): "o mistério de um outro não é senão o mistério de mim mesmo".

Conhecer o outro não significa reconhecer sua existência ou agir conforme sua presença inalienável em meu campo existencial, em meu mundo-da-vida. O outro é parte do campo da subjetividade e, portanto, se apresenta como campo de existência e não como um objeto para o conhecimento de um "eu". Não haveria um "outro" se não estivéssemos expostos a um mesmo mundo, se seus gestos e sua expressão não me remetessem à proliferação de sentidos em meu campo existencial, a um reconhecimento de meu ser-no-mundo (Merleau-Ponty, 2002). Sendo o outro co-presença, sua desaparição enquanto mortal produz uma modificação do meu campo existencial, do meu mundo vivido, exigindo-me novas formas de ser-no-mundo. É este o campo no qual experienciamos o luto: um campo de exigência de um novo sentido, de uma nova forma de ser-no-mundo, de ressignificação da relação vivida com o ente perdido. Ou ainda, podemos dizer que "este conjunto de vivências que a pessoa nos apresenta faz parte de uma totalidade que pode ser nomeada como seu mundo-da-vida, expressão que traduz o Lebenswelt" (Queiroz e Mahfoud, 2012, p. 42).

A supressão abrupta da presença do tu em um modo específico de mostrar-se na relação é o elemento crucial e disparador da experiência do luto. Não que o "tu" desapareça, antes, desaparece uma maneira de ser "eu" diante do "tu", pois o outro não é uma ciência que tenho dele, mas como dissemos anteriormente, é uma experiência de abertura do mundo. Explico-me: o "tu" não estará mais presente em sua corporeidade, com sua voz, seu toque, seu cheiro, sua materialidade, entretanto não cessa de se apresentar como parte da existência do enlutado: lembranças, fotos, desejos, vidas e momentos partilhados fazem com que o "tu" não cesse totalmente de se apresentar, entretanto, não partilhará mais do mundo como um "outro eu mesmo". A existência será doravante uma presença que se anuncia na ausência. O que falta ao enlutado, mais do que o "tu", é um modo usual, habitual de ser "eu", um modo de ser-no-mundo, uma infinidade de significações próprias e inerentes a um campo relacional. Doravante, não haverá mais copresença para que certa forma de partilhar o mundo e, portanto, de ser no e com o mundo se apresente em meu campo de coexistência. Se, afirmarmos com Merleau-Ponty (2002), que "o outro se insira sempre na junção do mundo e de nós mesmos", constatamos que o outro se apresenta como uma realidade antropológica para o "eu sou" e não para o "eu penso". Nessa forma de interpenetração homem-mundo, tal interpenetração se abala na experiência da morte do outro e em seu luto decorrente.

O morto será uma presença-ausente no mundo do enlutado, como aquele amigo que não virá mais ao nosso encontro e que se nos apresenta quando olhamos a garrafa de vinho separada especialmente para com ele partilharmos (ou que com ele fora outrora partilhada). Todavia, em nosso exemplo, nosso amigo não poderá mais pela sua própria ação e existência exercer qualquer mudança em nossas vidas, posto que morto está. Essa forma de convivência com o morto pode por vezes ser entendida como uma resistência de esquecimento dos mortos, como se eles continuassem a partilhar desse mundo (Despret, 2011). E de fato continuam coexistentes no mundo vivido do enlutado, mas de outra forma, ainda como campo de coexistência, porém não mais como intercorporeidade, indiferentemente da significação cultural que se atribua à morte e ao morrer. Todos os sentidos partilhados em uma vivência eu-tu entre o morto e o enlutado, continuam a "falar", entretanto, são desconexos e exigem serem vividos de uma nova forma, ou mesmo com novas significações. Enquanto as novas formas de sentido e os rituais que permitirão ou não essa passagem são estruturados culturalmente, a mudança é intrínseca à coexistência, ao fato de que nossa subjetividade revela-se apenas como intersubjetividade, ou "suja de mundo", como descrito por Merleau-Ponty.

A relação eu-tu é sempre reveladora não apenas do outro, mas também da transcendência por meio do "entre". É reveladora de um universo de experiências e de uma forma própria de ser um "eu". Cada relação é singular e nos permite ser de particular forma, apesar de não pré-determinada. Essa propriedade que se revela em relação é, então, perdida, exigindo-nos uma variação das habituais formas de ser-no-mundo. Perder um "tu" com quem nos relacionamos é, portanto, uma forma de perder um espaço expressivo de si mesmo. Uma abertura ao mundo e do mundo desaparece, assim como um universo próprio de significações e vivências, um modo de ser "eu" que é específico daquela relação, particular e única.

O outro é sempre uma copresença. O outro não cessa de se anunciar, todavia os modos de ser que se apresentam para o enlutado se restringem a poucas possibilidades de expressão, mais a lembranças do que efetivamente a presenças, são expressões de um ausente, uma vez que nossa tese comum, a corporeidade, é desfeita com o acontecimento da morte. O mútuo engajamento tácito eu-tu, torna-se explícito assim como em uma revolução, como afirma Merleau-Ponty (1994). É uma dor que não tem nome e que não pode ser descrita objetivamente, ou como diríamos fenomenologicamente, é a explicitação de uma coexistência irrecusável e do "sabor mortal" da existência (Merleau-Ponty, 1994).

Nota-se que em nossa perspectiva o luto é um evento que se torna parte da vida do sujeito de maneira única, não é resolúvel ou passível de superação, tal como difundida pela psicanálise, posto que é uma ruptura de um mundo vivido impossível de se reapresentar. Ele consiste sim em um processo normal e esperado de transformação da relação com a pessoa perdida, tarefa que permite sua ressignificação exigida. Do ponto de vista fenomenológico a ressignificação exigida é, portanto, da relação eu-tu e não do luto. Ou seja, o luto não termina com uma "resolução", com a volta à vida que o sujeito vivia antes da perda, mas sim com a incorporação deste evento na vida do enlutado, de tal modo que possa seguir a vida adiante com uma conexão contínua, porém nova, com o ente perdido.

 

Considerações Finais: Diante do Luto

A literatura aponta que a morte de um ente querido e o luto são momentos de reflexão sobre a própria finitude permitindo novos modos de enfrentar o próprio existir (Santos & Sales, 2011). Existencialmente vimos que o luto constitui-se como a ausência da co-corporeidade do tu na relação eu-tu, o que não significa um esvaziamento do mundo, mas uma apresentação de um novo mundo, de uma nova forma de presença do outro, exigindo um novo sentido: "A morte de alguém amado nos aliena do mundo e do senso de self que se mantém na vida cotidiana no mundo com os outros. Ele por vezes "nos individualiza" jogando-nos em um mundo totalmente desprovido de sentido e âncoras" (Sopcak, 2010, p. 90). A morte do outro não é a experiência de minha própria morte, entretanto, me revela o sentido ontológico de minha morte além da própria "desaparição" do outro, de sua desaparição do meu campo de possibilidades, da revelação de sua ausência e de nossa finitude (Sciacca, 2001).

Tomando a intersubjetividade como elemento fundamental da compreensão da vivência do luto tempos por implicação que a "superação" da perda é impossível. Há que se levar em conta que tomar a existência como um campo de coexistência rompe com a ideia de uma relação entre sujeito e objeto, tal como apresentada na psicanálise, por exemplo. Não há mais a possibilidade de substituição do objeto perdido, pois essa forma irrefletida pela qual sou revelado em-relação se mostra como fenômeno próprio da relação eu-tu. Não há substituição possível às formas de significação que se apresentam nesse universo perdido com a morte de um ente querido. Sendo revelada intersubjetivamente, compreende-se que toda e qualquer mudança subjetiva, incluindo-se o luto, se apresenta sempre como uma nova abertura do mundo, um novo entrelaçamento que se anuncia, agora, porém sem intercorporeidade, ou ainda, entende-se que "toda ausência é apenas o avesso de uma presença, todo silêncio é apenas uma modalidade do ser sonoro" (Merleau-Ponty, 1994, p. 488). Do ponto de vista fenomenológico-existencial não há resolução ou substituição possível, como defende a psicologia clássica, mas possibilidades de reconfiguração de um campo de coexistência, do mundo vivido, a partir dessa ausência-presente do outro, do "tu" em "mim". A tarefa então seria a de ressignificação da relação eu-tu e não uma superação do luto.

Cada fenômeno em seus modos de aparição implica em um sistema de referências que contém todas as formas de apresentação e que permitem, por um sistema de aparências ou perfis, a aparição da vivência atual (Geniusas, 2010). Vimos como fenomenologicamente pode ser descrita a vivência do luto, a saber, por meio da articulação de três propriedades essenciais que se apresentam no mundo-da-vida: 1) As inéditas exigências de sentido e de ser-no-mundo desde o momento em que as formas de apresentação do outro na relação se modificam com sua supressão; 2) As especificidades da relação e, 3) Seu horizonte histórico de apresentação.

Por fim, concluímos que a exigência da elaboração rápida e imediata vivida na atualidade de nossa sociedade pode ser por uma perspectiva fenomenológica substituída pela compreensão do outro como abertura de si. A vivência da perda e a consideração da abertura ao horizonte da finitude que se apresentam neste momento são fundamentais para a articulação de novas formas de sentido do outro e de si mesmo no horizonte existencial do enlutado. Enlutar-se é no horizonte do ser-para-morte projetar-se como ser-no-mundo.

Luto e fenomenologia: uma proposta compreensiva

3. Primeira Redução: Significados Culturais e Sentidos Familiares sobre a Morte e o Luto - o Horizonte Histórico

Se quisermos nos indagar sobre os fenômenos humanos tal qual se apresentam para nós é necessário que façamos reduções tais que nos permitam recuperar o próprio fenômeno em questão a tal ponto que a única coisa que não podemos perder de vista ou reduzir, é a própria experiência do fenômeno, como ele se apresenta. Os fenômenos humanos estão sempre colocados em um panorama histórico e cultural, estão sempre "sujos de mundo", portanto, é preciso perguntar-se: de que mundo falamos? De que história? E para nós: de que morte e de que luto? É possível afirmar que independentemente da cultura dá-se uma mesma experiência de luto? Como a indagação fenomenológica pode nos ajudar? Estaríamos falando da mesma morte entre os índios sul-americanos (quais?) e um Europeu no século XIX ou um chinês do século XXI? O que nos leva a pensar o horizonte quando adotamos uma análise reflexiva fenomenológica?

Assim como o tema da alteridade e o da vivência do sentido subjetivo, o horizonte se constitui inegavelmente como tema fundamental para a configuração do sentido. Sendo preocupação central da fenomenologia, o sentido deve ser, portanto, compreendido como um dos pontos de articulação de todos estes elementos. Segundo Husserl (1954/2008, p. 264):

Sou, facticamente, numa presença co-humana e num horizonte aberto de humanidade, sei-me facticamente num contexto generativo, numa corrente de unidade, de uma historicidade na qual este presente é, da humanidade e do mundo que lhe é consciente, o presente histórico de um passado histórico e de um futuro histórico.


O horizonte, no sentido fenomenológico, não é apenas a referência para os fenômenos em seus modos de apresentação (aparições) atuais, como também se refere a outros modos potenciais do aparecer do fenômeno (Geniusas, 2010). O horizonte é, portanto, "o que limita e determina cada e todo fenômeno", é relativo a nossa situação corrente e se apresenta como versátil em seus limites (Geniusas, 2010, p. 84). O horizonte histórico nos permite vislumbrar os contextos de apresentação nos quais são possíveis as articulações de sentido na presentação do fenômeno e não como elemento que define o fenômeno per se. É "aquilo que se deve desde o início ter em vista como tema psicológico" (Husserl, 1954/2008, p. 264).

Como podemos então circunscrever nosso tema em seu horizonte histórico? Qual horizonte se apresenta hoje no que diz respeito à morte e ao luto, ao reduzirmos as singularidades das relações? A literatura antropológica já há muito relata as diferentes formas que pelas quais sociedades humanas realizam seus ritos fúnebres e certos modos de aparição do fenômeno do luto (Ribeiro, 2002; Kouri, 2010; DaMatta, 2011). Segundo Durant (1995) os primeiros ritos humanos surgem diante da morte e do morrer. Tais ritos cumprem o relevante papel de restauração de uma ordem que foi abalada pela morte, com suas dores, temores e perigos. Do ponto de vista antropológico a morte física não é suficiente para consumar a própria morte. Do ponto de vista psicológico também não o é. E tampouco o é existencialmente.

Em uma completa e aprofundada revisão sobre o tema, Ribeiro (2002) afirma que o paradigma antropológico de Hertz é de extrema relevância para a compreensão da morte e do luto nas mais diferentes culturas, até os dias atuais. Segundo este paradigma, independente da cultura, os ritos fúnebres envolveriam três aspectos: oferecer ao corpo ou restos mortais um lugar, ajudar a alma a inserir-se na morada dos mortos e liberar os vivos do luto a que estavam presos. A ruptura das relações e das atividades socialmente constituídas pode então ser reestabelecida com a liberação do luto. Todavia, cada sociedade vivencia tais ritos de formas diferentes, com sentidos diferentes. Entretanto, paradoxalmente diante de um mesmo fato: o fato da morte e da separação, com a imposição da quebra de vínculos e de uma demanda de significação diante da nova configuração relacional (eu-tu, seja no âmbito familiar ou comunitário). Segundo Kouri (2010), a sociedade brasileira vive uma ambivalência com relação à morte e ao luto, vivendo entre a subjetivação das emoções, a necessidade de enfrentamento da morte e da perda e a imposição cultural da discrição sobre as emoções.

Historicamente apresentaram-se na cultura ocidental diferentes formas de compreender e lidar com a morte. Segundo Ariès (2003) no ocidente vivenciou-se duas concepções distintas de morte, a saber, a Morte Domada e a Morte Interdita que por seu turno, refletem em formas também distintas de compreensão do luto.

Na experiência da Morte Domada houve a predominância de um sentimento de familiaridade com a morte. Esta não se relacionava a medo ou desespero, mas era entendida como um processo natural onde o moribundo não só estava consciente da proximidade de sua morte, como era protagonista na organização desse processo (Ariès, 2003). De acordo com o autor, os doentes sabiam quando morreriam, pois por um lado, não estavam sub-metidos aos procedimentos hospitalares que não permitem clareza aos leigos sobre o processo de adoecimento e, por outro, com o conhecimento precário das ciências médicas tinha-se algum conhecimento cotidiano sobre determinados processos mórbidos. O doente, então, ao pressentir uma doença incurável, chamava seus parentes e amigos e cumpria o "ritual de despedida": pedia perdão por suas culpas, legava seus bens e esperava a morte chegar. Não havia um caráter dramático ou gestos de emoção excessivos. Essa atitude na qual se compreendia a morte como fenômeno próximo, insensibilizado e familiar é oposta à postura adotada na atualidade, onde simplesmente mencionar a morte implica tão fortemente na ideia de medo e desespero que evitamos mesmo pronunciar seu nome (Ariès, 2003).

No século XVIII, a morte toma um sentido dramático, ganhando a conotação de evento que rouba o homem de seu cotidiano e sua família. Nesse momento o luto adquire novos contornos: perde seu caráter natural e se torna "exagerado", onde o personagem principal desse drama passa a ser a família em detrimento do moribundo. O temor não é o da própria morte, mas o da perda do outro (Ariès, 2003), abre-se um novo horizonte de possibilidades de apreensão da morte enquanto fenômeno.

Desde a segunda metade do século XIX, a morte se transformou em tabu: os parentes do moribundo passaram a poupá-lo de sua própria morte escondendo a gravidade do seu estado. Com os avanços da medicina no século XX testemunhamos a mudança da representação social da morte: já não se morre em casa a seu tempo e com os seus, mas no hospital e em grande parte das vezes, sozinho. Os progressos da ciência permitem prolongar a vida, os pacientes podem ser condenados a meses ou anos de vida vegetativa ligados a tubos e aparelhos, ou seja, fora extirpado do moribundo não só o saber sobre sua própria morte, como também, seu direito a ela - é a morte interdita que se apresenta (Ariès, 2003).

Contemporaneamente, a regra implícita na morte e no morrer é a da neutralização dos ritos funerários e a ocultação de tudo que diga respeito à morte, o que implica diretamente na forma que se concebe e se vivencia o luto, cada vez mais percebido como vivência patológica, pois proibida, e não mais como um período natural e passageiro. A hipermedicalização do luto em nossa sociedade é um exemplo de tal patologização e que nos exige repensar o papel dos rituais no processo de luto. Kouri (2010) já nos mostra como o luto tem sido circunscrito na cultura da discrição das emoções, típica da atual sociedade brasileira. Expressar-se emocionalmente pode ser sinal de falta de controle das emoções e, portanto um ato tido como desapropriado ou de desespero. A supressão dos ritos na sociedade atual pode, portanto, dificultar a vivência da perda de sentido do mundo-da-vida e sua consequente ressignificação.

Outro elemento socialmente relevante além da relação que se estabelece entre a cultura e a morte como um fato generalizado da condição humana são as concepções sobre os diferentes tipos de morte. As concepções variadas sobre suicídio, adoecimento crônico, mortes violentas, mortes infantis ou em idade avançada são também especificidades que precisam ser mais bem estudadas para a compreensão do impacto da morte em um grupo e seu consequente campo de possibilidades no horizonte da vivência do luto.

Por fim, destacamos que do ponto de vista fenomenológico o que é relevante reconhecer no que diz respeito ao horizonte é o seu lugar como campo de articulação de sentido e de validação das organizações de sentido e das vivências (Geniusas, 2010). O horizonte não se constitui, portanto, como uma influência "de fora para dentro", mas se apresenta como condição de presentação mesma dos fenômenos, enquanto possibilidade e validade e, portanto deve ser continuamente revelado. As possibilidades de presentação de um fenômeno se referem às articulações de sentido e a implicações de outros aspectos, ou perfis, não revelados no perfil ora apresentado, mas que são parte da experiência que se apresenta subjetivamente. É assim que entendemos a contribuição de uma compreensão antropológica da cultura ao estudo do luto: como um conhecimento que nos expõe possíveis perfis de apresentação, estruturação e organização dos contextos de articulação de sentidos e não como seu determinante, o que nos leva a nossa segunda redução na busca de uma aproximação ao fenômeno do luto: como o mundo de todos nós se apresenta na ausência do tu que é o próprio cerne da experiência do luto? Ao retirarmos todas as conjunturas da atualidade como podemos descobrir a própria experiência subjetiva que reside na separação, na ruptura ou, pelo menos, em uma modificação da intencionalidade do mundo na ausência de um tu fundamentalmente significativo?

Luto e fenomenologia: uma proposta compreensiva

2. A Especificidade de Cada Mundo: Particularidades das Relações Eu-Tu e o Luto

Todas as relações significativas estão sujeitas ao luto. Somos parte uns dos outros e nosso sentido existencial está atrelado ao sentido do que somos a alguém e do que podemos ser na relação com alguém. Certamente há amigos para quem nos sentimos mais significativos do que para alguns parentes, ou ainda, há meros conhecidos que nos permitem conhecermo-nos mais que os íntimos.

O impacto da morte de outrem e o consequente luto não se definem por rótulos interacionais, entretanto o luto é diferentemente vivenciado a depender da qualidade da relação que mantemos ou mantínhamos com quem perdemos. Para um adolescente pode ser muito mais impactante perder um colega de escola em um acidente ou por uma doença fatal do que perder seu avô ou avó. Na velhice, o luto dos amigos que se vão um a um é uma experiência que remete incessantemente à própria condição de envelhecimento e a uma vivência exacerbada de solidão, intensificando os processos e as vivências do luto (Elias, 2001). O luto de um amante com quem se vivia em segredo pode ser cruel pela impossibilidade expressa da manifestação de sentimentos em público. Tais elementos tão específicos de cada relação, sempre se articulam e só emergem conforme as possibilidades dadas pelo horizonte histórico, em articulação com o mundo que habitamos, nosso singular mundo-da-vida.

A investigação fenomenológica visa compreender os invariantes (fenômenos) que se apresentam como intencionais e não enquanto individuais (Giorgi & Sousa, 2010). Entretanto, quando lidamos com o sofrimento no cotidiano do trabalho do psicólogo é necessário que se articule os aspectos gerais e invariantes com os aspectos específicos da vivência dos sujeitos empíricos em seus sistemas de referências, a saber, os horizontes histórico e subjetivo. Portanto, não se deve ignorar que a experiência vivida é sempre implicada pelo horizonte, que se constitui como um sistema de referência subjetiva, onde o sentido da aparição do fenômeno é nele e por meio dele articulado (Geniusas, 2010). Ocupar-se da singularidade como modo de apresentação do universal é ter a preocupação específica do campo psicológico na compreensão e acolhimento do sofrimento em sua empiria mundana, cotidiana.

Apesar de seu contexto psicológico que pode ser analisável e classificável, fenomenologicamente, a especificidade da relação só pode ser compreendida no contexto da vivência e do sentido, onde o esforço metodológico se dirige à busca da compreensão das vivências enquanto fenômenos. As descrições apresentadas diante de cada relação de onde emergem os sentidos da perda e do luto é o tema por excelência das investigações no campo da psicologia fenomenológica do luto, pela natureza do seu método e suas possibilidades de descrições de vivências (Van Manen, 1990; Giorgi, 2009; Mortari & Tarozzi).

Os estudos sobre vivências fenomenológicas do luto são cada vez mais comuns como podemos constatar, por exemplo, no levantamento sobre estudos que investigam a vivência do luto no seio familiar e fenomenologia (Ambrósio & Santos, 2011; Barbosa, Melchiori & Neme, 2011; Santos & Sales, 2011), estudos sobre viuvez (Turatti, 2012) e sobre a perda do filho (Alarcão, Carvalho & Pelloso, 2008), estudos sobre ritos culturais e a experiência do luto (Sopcak, 2010).

Tanto do ponto de vista antropológico quanto psicológico o luto é invariavelmente descrito como uma vivência que tem sentido dentro de um grupo (Bromberg, 1996; Ribeiro, 2002). Para pensar as especificidades do luto e seus mundos tomamos aqui como exemplo o grupo familiar, um dos grupos culturais mais "duros", pela especificidade e delineamento dos papéis que apresenta, apesar das imensas variações encontradas nas vivências de cada papel e de cada família na contemporaneidade. Ressaltamos que os laços grupais familiares que consideraremos como relevantes para a compreensão do luto são formados independentemente de laços consanguíneos ou de gênero. Apesar de as relações familiares serem perpassadas pelo contexto sociocultural, cada família se arranjará e se estruturará de um modo particular e único.

O grupo familiar é tido como um dos mais relevantes em nossa cultura, com papéis, funções e relações bem delimitadas e estabelecidas, mesmo que em constante mudança. Entretanto, devido ao campo das singularidades há, certamente, muitas formas de ser mãe ou irmão. Tais formas podem ser pensadas, mas não previstas, pois cada família tem um sentido e uma configuração para os papéis que são desempenhados pelos diferentes membros do grupo e a isso o psicólogo que atua na área deve estar atento. As descrições fenomenológicas só alcançarão a compreensão das especificidades dos contextos e seus diversos modos de relação familiar.

Na literatura, há dois aspectos relevantes apontados para o estudo do luto no contexto da família: o ciclo de vida (Brown, 1995) e a reorganização do sistema familiar (Bromberg, 1996). Diferentes situações vêm à tona com a morte de um de seus membros. A exigência de reorganização frente ao novo campo relacional se impõe, com necessidades e rearranjos próprios de cada sistema. O luto materno, por exemplo, é um dos mais estudados pela literatura e um dos mais significativos em nossa cultura. A história e a antropologia já nos demonstram as diferenças entre os lutos vivenciados nos diferentes contextos relacionais. Entre os índios Carajás, por exemplo, que cortam seus cabelos no período de luto, as mães são aquelas que os cortam mais curtos (Azoubel Neto, 1991). No Brasil, quando ainda se guardava um luto aparente, as mães eram as únicas que usavam luto fechado para o resto da vida, diferente das viúvas e dos que perdiam seus pais. Já na Roma Antiga o luto materno aparece com destaque: Sêneca (4a.c.-65d.c.) em uma de suas "consolações"1, já escrevera Consolação à Márcia (Caroço, 2011) com descrições de mães romanas assustadoramente fiéis às vivências das mães brasileiras contemporâneas. No contexto das relações familiares uma das questões colocadas pela psicologia é, por exemplo, sobre a função materna. Como a mãe que perde um filho se vê agora, sem seu filho? É uma mulher que possui outras funções na família e na sociedade? Quais as funções que lhe são agora exigidas? Como se relaciona com os outros filhos? Quais são os sentimentos emergentes nesse processo (culpa, vazio, medo, revolta ou outros)?

Apesar desses aspectos que são mais evidentemente partilhados e que merecem estudos mais aprofundados, há que se avaliar em cada caso, no contexto da atuação clínica e de uma análise psicológica fenomenológica, as particularidades de cada uma das relações rompidas. Há mães que perdem seus filhos por acidente, por suicídio, adoecimento agudo ou crônico e que as colocam em posições diversas diante da vivência do luto, impossibilitando a generalização desta experiência. Há mães que acreditam não terem cumprido com seus papéis adequadamente e se culpam. Há aquelas que não desempenham outros papéis em seus grupos e se mantém cuidando do filho já falecido por meio de variados modos: lutas judiciais, sentimentos de vingança ou justiça (seja com os homens ou com Deus), caridade, homenagens aos entes queridos.

A viuvez é também tida como um processo longo e doloroso. Bromberg (1996) aponta que o momento do ciclo de vida familiar é de fundamental importância para a compreensão da vivência do luto. Na viuvez, pergunta-se: foi um casal jovem que foi desfeito ou um casal já com os filhos criados? Obviamente tais questões são relevantes, entretanto, a comparação é impossível uma vez que um casal aposentado poderia estar justamente vivendo um momento de "segunda lua de mel" ou de concretização de um plano ou uma viagem pós-aposentadoria. Portanto, destacamos que do ponto de vista da psicologia fenomenológica o mais relevante e central é a descrição do sentido da relação, mesmo que essa seja psicologicamente contextualizada no momento do ciclo de vida familiar ou segundo o rearranjo das funções de um sistema. A morte de um pai provedor, porém, repressor, pode produzir sentimentos ambíguos como culpa, alívio e sobrecarga pelas exigências familiares que repousam sobre um jovem filho que se vê responsável por seus irmãos mais novos.

A literatura psicológica, portanto, por tratar da singularidade, apresenta elementos que não são estranhos a uma análise fenomenológica no contexto clínico: as variações da vivência do luto são influenciadas pela qualidade do vínculo entre o morto e o enlutado, assim como as especificidades da relação dos que estão envolvidos. Entretanto, do ponto de vista fenomenológico enquanto olhar compreensivo e descritivo não é possível manter-se apenas no nível de análise da singularidade.

Para alcançar uma descrição das vivências é preciso encontrar uma conexão entre a singularidade, o campo original da percepção de cada um e o mundo da correlação recíproca. "Noutros termos, cada um de nós tem o seu mundo da vida, visado como o mundo de todos" (Husserl, 1954/2008, p. 266). É preciso incluir à existên-cia, aos juízos e às experiências, a historicidade. Portanto, passaremos agora à reflexão sobre o horizonte histórico e as especificidades da cultura brasileira nas concepções sobre a morte e luto cumprindo uma redução, um passo metódico. O luto pode, como toda e qualquer experiência, ser tematizado na sua particularidade e no horizonte de sua historicidade. Toda ruptura vivida em uma experiência de coexistência ocorre articulada ao contexto específico ou psicológico da relação. Passemos então à compreensão do horizonte histórico.

 

Luto e fenomenologia: uma proposta compreensiva

Joanneliese de Lucas Freitas

Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília (UnB). Professora Adjunta e Vice-Coordenadora do Laboratório de Fenomenologia e Subjetividade (LabFeno) da Universidade Federal do Paraná. Endereço Institucional: Departamento de Psicologia. Universidade Federal do Paraná. Praça Santos Andrade, 50 - Sala 215 (Ala Alfredo Buffren). 80020.300. Curitiba/PR. Email: joanne@globo.com

 

 

RESUMO

O luto é compreendido pela literatura psicológica como uma reação frente a perdas significativas. Do ponto de vista existencial pode ser compreendido como uma vivência típica em situações de transformação abrupta nas formas de se dar do ser em uma relação eu-tu. O presente texto tem como objetivo apresentar uma compreensão descritiva de tais processos. Inicia-se com uma descrição de seu aspecto particular e possibilidades de interpretações psicológicas. Ao colocar a singularidade entre parênteses busca-se uma breve descrição do horizonte histórico de presentação da morte na atualidade e seus modos de aparição. Por fim, ao reduzir o histórico, apresenta-se uma descrição do luto como vivência que emerge de uma mudança abrupta em uma relação eu-tu com a supressão da corporeidade do tu. Uma vez que fenomenologicamente a subjetividade é revelada enquanto intersubjetividade, conclui-se que a ruptura de uma relação é, portanto, a ruptura de uma abertura ao e do mundo e de formas de ser-no-mundo do enlutado. O luto é, deste modo, uma vivência que aparece com uma forte exigência de ressignificação do mundo-da-vida, onde o que é perdido pelo enlutado não é apenas um ente querido, mas também formas próprias de ser-no-mundo.
 

Introdução

Atualmente há divergências significativas no modo de se compreender o luto. O tema volta ao centro das discussões sobre saúde mental no bojo da elaboração do novo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). No DSM, 4ª edição (DSM-IV-TR), o luto (V62.82) é apresentado como uma condição clínica que pode demandar auxílio profissional para alívio de sintomas associados. Suas manifestações aproximam-se daquelas de um Episódio Depressivo Maior e são consideradas "normais" mesmo quando se perpetuam por um período maior que dois meses (American Psychiatric Association, 2003). Ao que tudo indica, na próxima edição do DSM (DSM-V), o luto poderá ser catalogado não mais como um período natural e passageiro e sim como uma vivência patológica, dentro de determinadas condições e com limites de tempo rígidos para seu diagnóstico (duração de sintomas severos por mais de seis meses) (Kamens, 2010; Pies e Zisook, 2010). Tais diferenças na apreensão do fenômeno apresentam consequências diretas no seu enfrentamento, o que torna estudos mais aprofundados sobre esse tema de vital relevância.

O luto vivido em decorrência da morte de um ente querido não é somente uma experiência dura e profunda de perda, mas também a evocação de nossa condição mortal, assim como da inevitabilidade e irreversibilidade da morte. Seus aspectos ontológicos podem tornar seu enfrentamento mais árduo, além de se apresentarem como situações potencialmente reveladoras de conflitos anteriormente já vividos na história do enlutado que encontram no processo de luto espaço para (re)significação.

É cada vez mais perceptível o quanto o mundo ocidental evita a angústia e busca a neutralização do desconforto e da dor psíquica (Elias, 2001; Ariès, 2003). Os contextos de hiper-medicalização e de discrição emocional presentes em nossa cultura contemporânea são dois fatores relevantes na compreensão da vivência do luto (Kouri, 2005, 2010). A negação do luto ocorre por meio de práticas sociais tais como, por exemplo, a imposição da volta ao trabalho após sete dias, como se houvesse um período pré-determinado para a passagem por esse processo. Em nossa sociedade são inúmeros os exemplos de práticas que apontam para o esvaziamento de reflexões sobre o findar-se, sobre a aceitação do fim do outro e de si mesmo.

Questões existenciais como a transitoriedade da vida, a efemeridade, a angústia, inerentes ao processo da morte e do morrer, são frequentemente evitadas. Paradoxalmente, os meios de comunicação apresentam a morte como um espetáculo fantástico, pasteurizado e desvinculado das existências individuais (Kovács, 2008). É o freak show da atualidade. A efemeridade da existência e sua marca fundamental, a angústia, são deslocadas da experiência vivida para o silêncio do tabu ou para o espetáculo do bizarro, como se sua ocorrência fosse um acidente estranho e evitável. Essa é a morte interdita, aquela percebida na atualidade como fracasso (Ariès, 2003; Kouri, 2010). Esquecemos que à medida que avançamos no tempo, somos pelo próprio tempo, chamados ao risco e às escolhas inerentes à precariedade do existir. Pensar sobre a morte e enunciá-la fora das esferas do tabu ou da perversão coletiva dos jornais sensacionalistas, nos permitirá encarar sua verdade e sua presença irrefutável, bem como as questões que lhes são inerentes, quiçá, minimizando o sofrimento que aí está envolvido, ao trazê-la como reflexão cotidiana.

A morte não é apenas afastada da atmosfera social e do discurso acadêmico, mas também do cotidiano das famílias e seus moribundos - que nos dias atuais, morrem nos hospitais, privados de maiores informações e possibilidades de decisão a respeito de sua própria vida, sem autonomia, pois, segundo Ariès (2003) a morte transformou-se em um fenômeno técnico, mera consequência da suspensão dos cuidados médico-hospitalares. Depois da morte de um parente, a sociedade que trata a morte como tabu exige da família enlutada o máximo de discrição (Freitas, 2009; Kouri, 2010), a modernidade não tolera o sofrimento, sempre associado à baixa produtividade e a falta de capacidade para lidar com seus sentimentos. Quanto aos enlutados, é preciso que lhes seja permitido viver e ressignificar a dor da perda, o que é violentamente vetado pela sociedade ocidental contemporânea, com baixa tolerância às expressões vinculadas à tristeza, frustração e perda.

No campo psicológico, Freud foi o primeiro a tecer apontamentos sobre o luto (Freud, 1917/2010). O luto é, segundo o autor, uma vivência normal, específica diante da perda significativa de um objeto. Tais vivências estão conscientes e implicam em um empobrecimento do mundo desde a falta de seu objeto de investimento. Seus sintomas seriam os mesmos da melancolia, com exceção da autoestima que não se encontraria perturbada (Freud, 1917/2010). A melancolia assinalaria um esvaziamento do ego, enquanto o luto, do mundo. Tanto o luto quanto a melancolia se caracterizariam por um profundo desânimo com perda do interesse pelo mundo externo, inibição da atividade em geral e incapacidade de amar, ou de substituição do objeto idealizado. Para o autor, haveria apenas dois destinos frente à perda: a elaboração bem sucedida ou a melancolia (Mendlowicz, 2000). Segundo Freud (1917/2010) a elaboração seria a possibilidade de (re)investimento libidinal em um novo objeto, ao desinvestir-se do anterior, supera-se sua perda. No decorrer da história do campo "psi" percebe-se uma proliferação e muitos avanços nos modos de compreensão dessa experiência, pois mesmo entre psicanalistas as conclusões de Freud são hoje questionadas, especialmente o fato de que a não elaboração do luto se destinaria sempre à melancolia (Mendlowicz, 2000).

Atualmente tende-se a compreender o luto como uma vivência imprevisível, inevitável e desconexa dos demais estágios vivenciados anteriormente no ciclo vital (Parkes, 1998). Segundo Kovács (1992, p. 150) "a morte como perda nos fala em primeiro lugar de um vínculo que se rompe, de forma irreversível, sobretudo quando ocorre perda real e concreta". Para a autora, a vivência do luto e seu tempo são variáveis, sendo que em alguns casos, nunca termina, embora estes ocorram com menos frequência. Em seus estudos defende que não é possível generalizar esta experiência, pois ela depende das causas e circunstâncias da perda, bem como do vínculo com aquele que morreu. Destaca que não há diferenças significativas entre o luto de crianças, adolescentes e adultos e que o traço mais permanente no luto é um sentimento de solidão.

O luto é frequentemente reportado na literatura psicológica, portanto, sob o viés da teoria do Apego, como uma reação à perda (Kovács, 1992; Bromberg, 1996; Parkes, 1998). Do ponto de vista da psicologia fenomenológico-existencial não encontramos literatura específica sobre o luto o que nos leva ao nosso objetivo central do presente texto: refletir sobre o luto a partir do ponto de vista da psicologia fenomenológica, descrevendo os seus aspectos vivenciais. Existencialmente o luto é aqui descrito como uma vivência típica em situações de transformação e mudança abrupta nas formas de se dar do ser em uma relação eu-tu.

A relação eu-tu é aqui entendida a partir da noção de intersubjetividade em Merleau-Ponty (1945/1994; 1969/2002). Para o autor, a intersubjetividade é uma estrutura da vida intencional que me revela em situação. É na presença do outro que nos tornamos visíveis a nós mesmos, onde a intercorporeidade é a troca primeira. Sendo com o outro um campo relacional, a coexistência em um mesmo mundo funda, por meio da intercorporeidade, as relações e as experiências subjetivas. A intersubjetividade é, portanto, a articulação da experiência, tornado-a possível (Merleau-Ponty, 1945/1994; 1969/2002).

A seguir expomos uma breve descrição reflexiva sobrea experiência do luto desde um olhar da psicologia fenomenológica, bem como reflexões sobre suas implicações e possíveis repercussões na prática psicológica, ausentes até o momento na literatura desta perspectiva teórica. Buscamos descrever o luto por meio da apresentação de um modelo compreensivo, resultante da análise reflexiva de suas propriedades e relações típicas desta vivência (Embree, 2011).

 1. Eu Sem Tu: Uma Proposta Compreensiva da Vivência do Luto

Caracteriza-se como luto a vivência experienciada após uma situação de perda significativa. O sentido da perda é um elemento fundamental para a compreensão desta experiência, especialmente quando se trata de um ente querido. O sentido da relação também. Com a apresentação da ausência do outro no mundo do "eu", a experiência do luto surge como essa novidade carente de sentido que coloca em jogo as especificidades relacionais, o horizonte histórico e o mundo-da-vida do enlutado.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Consultoria - O que é e para que serve?

Consultoria, de uma forma ampla, é o fornecimento de determinada prestação de serviço, em geral por profissional qualificado e conhecedor do tema. O serviço de consultoria oferecido ao cliente, acontece por meio de diagnósticos e processos e tem o propósito de levantar as necessidades do cliente, identificar soluções e recomendar ações. De posse dessas informações, o consultor desenvolve, implanta e viabiliza o projeto de acordo com a necessidade específica de cada cliente.
     Fazendo uma comparação bastante simples, um consultor é como um “médico”. Quem quer prevenir doenças e garantir uma vida saudável costuma procurar um médico. Quem fica doente geralmente ainda mais rápido um médico. E quem quer evitar ou já tem problemas, procura um consultor. 
     Não necessariamente o consultor atende somente as empresas, pessoas quem tem problemas, por exemplo, financeiros, pode procurar um consultor financeiro. Controlar suas próprias finanças não é coisa muito simples, porque a maioria das pessoas não tem autodisciplina para controlar e planejar suas próprias finanças, isso também acontece muito nas pequenas e médias empresas.
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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A Morte e a Elaboração do Luto na Visão de Alguns Autores

Resumo: A vida e a morte coexistem no espaço do corpo desde o nascimento. Não obstante, esta constatação morte e morrer são palavras que as pessoas costumam evitar dizer e duas questões sobre as quais a maioria de nós procura não pensar. Este estudo teve como objetivo geral investigar na literatura as várias leituras de morte através de uma análise conformativa e mais especificadamente abordar os principais aspectos que facilitam e dificultam a elaboração do luto. Problematiza a necessidade de um aprofundamento sobre o tema e os inúmeros questionamentos sobre os meios de minimizar a angústia e o medo que envolvem o homem diante da morte, da infância à velhice, abordando os aspectos psicológicos que giram em torno da mesma. Para tanto, buscou-se aporte teórico em Assunção (2005),Ariés (1998), ,Bowlby (1984 ), Cassorla (1988 ), Kóvacs (1998;2002 ) Kübler-Ross (1996;1998 ), dentre outros. Constatou-se, na literatura, a tristeza e a depressão como processos naturais diante da perda de alguém querido e a importância do apoio da família e dos amigos na sua superação. Contudo quando o processo de pesar se alonga e cursa com patologias, há necessidade de intervenções psicoterapêuticas.

Introdução

A vida e a morte coexistem no espaço do corpo desde a concepção e os contrários tornam-se um só em um diálogo em que nunca desaparecerão. Assim, o início e o fim, os segundos e o nada, os opostos e os contrários falam à natureza humana, habitando o corpo com o paradoxo da vida e da morte.
Morte e morrer são palavras que as pessoas costumam evitar dizer e duas questões sobre as quais a maioria de nós procura não pensar. Essa dificuldade de conviver e de trabalhar com a idéia da morte atrapalha a sua elaboração e impede que se lide com tranqüilidade com as perdas, que são naturais e ocorrem inevitavelmente ao longo da vida.
A morte faz parte da vida e é um ritual de passagem do qual não se pode esquivar, pois todo aquele que nasce um dia também morrerá. Mas apesar de se reconhecer a inevitabilidade da morte ainda existe muito tabu diante deste fato e o silêncio é utilizado como um subterfúgio para melhor lidar com o acontecimento.
Este estudo teve como objetivo geral investigar na literatura as várias leituras da morte através de uma análise conformativa e mais especificadamente abordar os principais aspectos que facilitam e dificultam a elaboração do luto.
Problematiza a necessidade de um aprofundamento sobre o tema e os inúmeros questionamentos sobre os meios de minimizar a angústia e o medo que envolve o homem diante da morte, da infância à velhice, percorrendo através de um breve histórico a abordagem dos aspectos psicológicos que giram em torno da mesma. Para tanto, buscou-se aporte teórico em Ariés (1989), Assunção (2005) Bowlby (1984), Cassorla (1998), Kóvacs, (1998; 2002), Kübler-Ross (1996/1998), dentre outros.  

A Morte e o Homem: um breve histórico

O homem sempre viveu sob o impacto da morte. No século XIV, por exemplo, a “peste negra” que determinou graves perturbações econômicas, sociais e psicológicas, caracterizou a visão catastrófica da morte que atormentava e angustiava a sociedade. A morte era prematura, infligia tormento insuportável e tornava o homem um objeto repugnante para si e para o outro. Adultos e crianças sabiam que logo morreriam e o indivíduo arcava sozinho com a fúria da “morte negra”, pois a defesa tecnológica era insuficiente, os procedimentos médicos eram inúteis e o controle, os ajustamentos sociais, a religião e a magia tampouco ajudavam. A morte, portanto, era inevitável.
Vale dizer que a esta época não havia promessa de gloriosa imortalidade e a morte era vista como terror e fonte de castigo. A expectativa de vida era limitada, havia maior proximidade física com a morte e sensação de pouco ou nenhum controle sobre a natureza.
Assim, a morte, embora temida, era considerada natural durante a idade média, passando a ser ocultada a partir do século XIV. Se na antiguidade o homem jamais perdia de vista a idéia de que iria morrer, mais tarde adota a mentira sistemática ou o silêncio, como forma de afastar do cotidiano a morte inevitável.
O século XIX caracterizou-se por uma preocupação interessante, por parte das mulheres e dos clérigos, em fazer com que as crianças mortas fossem imaginadas vivas num além parecido com uma “Terra sem Mal”, onde esperavam a reunião de toda a família. A mãe idealizava a criança morta e chegava até a servir-se dela como um anjo ou santo, perpetuando as suas formas idealizadas através de estátuas, de forma a comover violentamente a todos que as vissem.
Ariés (1989) (apud. Angerami-Camon- Org) aponta uma significativa mudança em relação ás atitudes perante a morte nas sociedades ocidentais a partir do século XX, em que cada vez mais a morte é banida do discurso cotidiano, é afastada, ocultada e temida.
Na sociedade atual, prevalece a negação da temática morte. Esta negação da existência da morte causa grandes dificuldades aos adultos em nível existencial, bem como dificulta, sobremaneira, a adequada compreensão do processo pelas crianças.  Antigamente, o velório ocorria na casa do morto, contando com a participação da família, amigos, parentes e comunidades. O velório caracterizava-se pelo momento de rever e se despedir do falecido, estimulando as emoções, trazendo-as á tona para que se baixassem as defesas diante da situação da morte.
Atualmente, em contrapartida, o velório ocorre longe das casas dos mortos e o enterro é providenciado o mais rápido possível. Em ambos, as demonstrações de pesar ou lágrimas são desencorajadas. Não raro, expressão como “o homem não chora”, “seja forte”, “foi melhor assim”, são fatores de repressão dos próprios sentimentos, principalmente em se tratando de sentimentos expressados pelo sexo masculino. No caso das mulheres enlutadas, é esperado que “cuidem” dos que ficaram, sejam eles filhos, companheiros, irmãos, genitores, enfim não se pode “chorar” o morto, pois a vida à sua volta continua e a mulher tem um “papel” fundamental na situação de bem- estar dos familiares vivos.
O significado da morte vem sendo estudado, sofrendo influências históricas e culturais ao longo do tempo. Da mesma forma, os rituais a ela relacionados variam de acordo com a história de um povo e sua cultura. O homem moderno tem procurado mecanismos que permitam o distanciamento da morte mediante cuidados com a saúde física, evitando ou se protegendo contra os riscos da morte antecipada, não se expondo a situações de muita vulnerabilidade e riscos desnecessários.
 Fugir da morte ou do enlutamento pode ser perigoso. Cassorla (1998) chama a atenção para o problema resultante do luto mal-elaborado quando o mesmo, tal qual doença contagiosa é afastado por várias gerações de uma família, o que pode trazer danos futuros aos seus membros no que tange à baixa do sistema imunológico com conseqüente aparecimento de doenças, como também colaborando com o desenvolvimento de comportamentos anti-sociais, como a criminalidade, o uso de drogas e o suicídio.
Vale ressaltar que o luto mal-elaborado também se encontra presente entre os profissionais de saúde que lidam diretamente com pacientes terminais, que tendem a não expressar seus sentimentos de tristeza, de dor e de pesar por meio do abafamento dessas sensações, em busca da eficácia de suas atividades laborais. Porém, ao camuflarem os seus sentimentos de pesar, estes profissionais podem comprometer a relação com seus pacientes pelo fato deles se apresentarem-se formais e impessoais no trato com os mesmos (KÓVACS, 1998; 2002; KÜBLER-ROSS, 1996; 1998)

A Criança Diante da Morte

De acordo com Bowlby (1984), antes que alguém possa compreender o impacto da perda e o comportamento humano a ela associado, deve-se compreender o significado do apego. Segundo ele, o sentindo básico do apego pode ser definido como o tom emocional entre as crianças e seus genitores e é evidenciado quando o bebê procura e se agarra à pessoa que dele cuida e normalmente essa pessoa é a mãe.
Na primeira fase chamada pré-apego, que acontece do nascimento até 12 semanas, o bebê se orienta por sua mãe, segue-a com os olhos. Na segunda fase, chamada de formação do apego de 12 semanas a 6 meses, o bebê se apega a uma ou mais pessoas do ambiente. Na terceira fase, conhecida como formação do apego que dura de 6 a 24 meses, a criança chora muito e demonstra outros sinais de perturbação quando separada da figura de apego ou da mãe. Já na quarta fase, que ocorre entre os 25 meses ou mais, a figura materna é vista como independente, e inicia-se um relacionamento mais complexo entre a mãe e a criança.
Na visão de Assunção (2005), a criança urbana tem muito pouco contato com a morte natural. Através da televisão ela vê, com muito maior freqüência, a morte brutal. Isto impacta negativamente a criança que cria certa repugnância por esse fenômeno natural com o qual as crianças do meio rural lidam muito melhor.
Na natureza percebe-se claramente a interação entre a vida e a morte: o dia morre para nascer à noite. A flor morre para nascer o fruto. As etapas da vida vão morrendo para dar lugar a outras que vão nascendo. E por vivenciarem no seu cotidiano a morte de uma forma tão natural, as crianças quase não a temem.
Diante do exposto, percebe-se que falar com as crianças sobre a morte, de uma maneira natural e sempre que aparecerem oportunidades para isso, é saudável e oportuno. E, quando morre alguém na família, não se deve privar a criança de participar dos ritos fúnebres, exceto quando a própria criança se recusa a fazê-lo. Mesmo nesses casos, reitera Assunção, deve-se conversar com ela, explicando-lhe o que aconteceu. Caso ela manifeste o desejo de participar, torna-se necessário conduzi-la da maneira menos traumática e mais natural possível, no caminho entre a aproximação e a despedida.
Ainda de acordo com Assunção (2005), as crianças até 5 anos de idade não reconhecem a irreversibilidade nem a universalidade da morte. Também não são capazes de distinguir a diferença entre aqueles que morreram (seres vivos) e aqueles que não morreram (por exemplo, um boneco). Portanto, querer dar-lhes explicações dentro desses conceitos será uma tarefa difícil.  Já entre 6 e 9 anos, elas compreendem  a irreversibilidade da morte e distinguem os seres humanos que morrem dos objetos que não morrem, por isso é mas fácil conversar com elas sobre a morte. Nessa idade, afirma o autor, já existe uma compreensão quase completa do que é a morte.
Assim, é necessário dizer a verdade para a criança, uma verdade que ela possa compreender e que a ajude a sentir-se apoiada em seu sofrimento, que reforce a confiança que ela tem nos adultos que a cercam, que não a abrigue a negar ou esconder os seus sentimentos, o que lhe assegurará um equilíbrio frente às situações de perda durante sua vida adulta.
Desse modo é importante que a criança perceba o quanto a dor da perda também nos afeta para que possa expressar seus próprios sentimentos, o que sugere uma oportunidade de corrigirmos algumas distorções que o egocentrismo e o pensamento mágico possam trazer. .A criança, percebendo que a vida continua e que não há necessidade de apagar o amor por aqueles que partiram nem esquecer as alegrias com eles vivenciadas, não acrescentará mais dor ao seu sofrer (ASSUNÇÃO, 2005).
Para falar com a criança sobre a morte é preciso sensibilidade para considerar os sentimentos da criança. Confrontada precocemente com a morte, especialmente com a morte de um dos pais, a criança não viverá mais no mesmo mundo de antes. Quem fica não pode apagar essas marcas, mas não precisa acrescentar outras, igualmente dolorosas.

A Morte para o Adolescente e o Adulto Jovem

Na perspectiva do desenvolvimento fisiológico, Papalia e Olds (2000) definem adolescência como um momento que se inicia por volta dos 12 anos, quando o indivíduo atinge a puberdade, e finaliza próximo aos 20 anos. Associada às mudanças físicas, se evidencia a busca por autonomia, o que resulta numa fase intensa, caracterizada por situações conflitantes e ansiogênicas, que terão influência significativa nas formas como a pessoa enfrentará os desafios futuros.
Calligaris (2000) postula que o adolescente, no seu contexto familiar, geralmente perde o olhar de amor incondicional que lhe era dado quando criança e não ganha os direitos e o reconhecimento de um adulto. Tal fato distancia o adolescente de sua família e o aproxima de grupos nos quais pode ser reconhecido como igual. Trata-se de uma época caracterizada pela vulnerabilidade, o que se traduz muitas vezes em sofrimento psíquico e em episódios de depressão, por exemplo.
Segundo Bee (1997), o final da adolescência ocorre por volta dos 20 anos, dando início ao período compreendido como “adulto jovem”. Essa etapa é descrita pela autora como o ápice do desenvolvimento físico e cognitivo. As expectativas prescritas para essa etapa giram em torno de definições profissionais, da conquista da autonomia e de relacionamentos mais estáveis, no que tange à sexualidade e à constituição da família (PAPALIA; OLDS, 2000; ERICKSON, 1976). Cabe ressaltar que essas expectativas demandam estabilidade e não consideram as descontinuidades que povoam a vida na contemporaneidade, entre elas, a morte.
Paradoxalmente, no que se refere às expectativas de vida de jovens, significativas transformações têm ocorrido, de modo que a morte deixa de ter um significado social e cultural distante do cotidiano. Cada vez mais, devido a fatores como a violência em diferentes âmbitos e a doenças infecto-contagiosas, os jovens têm se deparado com a morte. Domingos e Maluf (2003) consideram que a perda ocasionada pela morte da pessoa próxima, na maioria das vezes, provoca uma desorientação profunda na vida dos adolescentes. Assim, dependendo do vínculo criado com o falecido e da própria personalidade do jovem, podem ocorrer choque e desespero, fazendo com que este se sinta perdido. Além disso, a perda de uma pessoa próxima pode gerar no adolescente a consciência da própria mortalidade, contrapondo-se com o sentimento de invulnerabilidade comum a este período da vida.
No período pós-perda, são vivenciados processos de elaboração do luto no qual ocorrem fenômenos de enfrentamento de perdas significativas e de elaboração da dor derivada das mesmas (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2003). O período de vivência do luto costuma ser caracterizado por diversas mudanças. Além de ter que lidar com o pesar da perda, o adolescente ou o adulto jovem passa por rupturas, descaracterizando sua condição de filho e protegido para situá-lo no campo da orfandade. (PAPALIA; OLDS, 2000).

O Idoso e a Morte

A idade avançada traz consigo a aproximação da morte. A velhice, vista por muitos como o começo do fim, aos olhos da pessoa idosa, de acordo com estudiosos do assunto, associa-se muito mais ao medo da dependência do que da morte. É necessário considerar que a velhice expõe as pessoas a muitas perdas, tanto sob o ponto de vista físico quanto emocional e social. Nesta fase a fé ou a devoção religiosa fortalece a aceitação da morte e é um recurso amenizador da solidão ou do sofrimento da perda.
Pesquisas apontam que morre bem quem viveu bem. Para Zimerman (2000), as pessoas idosas com maior dificuldade de elaboração da morte são aquelas que não conseguiram estabelecer um bom relacionamento com as pessoas em vida, o que sugere uma reflexão sobre a avaliação dos afetos e sua importância no devir.

O Processo de Luto

Segundo Kastenbaum e Aisembesrg (1983), a morte sempre existiu, mas nem sempre teve representações nítidas em nossas mentes. Portanto, precisamos morrer, até porque iremos ajudar a perpetuar a espécie que se nutre da morte de seus indivíduos para se preservar.
 O processo de luto ocorre quando perdemos alguém muito próximo. A maioria das pessoas enlutadas é capaz de com o tempo, e com a ajuda da família e amigos, de reconciliar-se com sua perda e retomar as suas atividades normais. Para outras, no entanto, é indicado ajuda psicoterapêutica.
Para Worden (1998), é essencial que a pessoa enlutada realize quatro tarefas básicas, antes que o processo de luto possa ser completado. Segundo ele, tarefas de luto não elaboradas podem prejudicar o crescimento e desenvolvimento futuros. Diz que essas tarefas não precisam ser necessariamente seguidas, em ordem especifica, mas ele sugere a seguinte ordem:
I – Aceitar a realidade da perda;
II – Elaborar a dor da perda;
III – Ajustar-se a um ambiente onde está faltando a pessoa que faleceu;
IV – Reposicionar, em termos emocionais, a pessoa que faleceu e continuar a vida.
De acordo com Freud (1913, p.65) “o luto tem uma tarefa física que precisa cumprir: a sua missão é deslocar os desejos e lembranças da pessoa que faleceu”. Assim, como a criança passa por etapas para seu desenvolvimento saudável as etapas do luto também precisam ser vivenciadas para que não ocorram traumas ou danos futuros.
A tanatóloga e psiquiatra Kübler-Ross (2004, p.561) em seu trabalho com doentes em fase terminal, verificou que na maioria dos casos os mesmos recebiam de bom grado a oportunidade de falar abertamente sobre sua condição e sabiam que estavam perto de morrerem, embora não recebessem informação sobre esse fato.
Depois de falar com 500 pacientes terminais, Kübler-Ross (1969-1970) definiu cinco estágios durante o processo de reconciliação com a morte, são eles:
I - Negação (recusa em aceitar a realidade que está acontecendo);
II - Raiva (as pessoas ficam frustradas e com raiva por estarem doentes e podem transferir sua raiva para o pessoal do hospital e para os médicos);
III - Barganha (os pacientes podem tentar negociar com médicos, os amigos ou mesmo com Deus em troca de cura, prometem, fazem doações, freqüentam igreja);
IV - Depressão – neste estágio, os pacientes apresentam sintomas clínicos de depressão, retraimento, retardo mental, perturbação do sono, desesperança e possivelmente idéia de suicídio;
V - Aceitação – neste último, os pacientes compreendem que a morte é inevitável e aceitam a universalidade da experiência. Seus sentimentos variam de humor neutro e eufórico, e em circunstâncias ideais, resolvem seus sentimentos para com a inevitabilidade da morte e conseguem falar sobre o enfrentamento do desconhecido.
Para Kübler-Ross (1998), nem todas as pessoas passam por estes estágios e algumas podem passar por eles em seqüência diferente, oscilando entre a raiva e a depressão ou podem sentir ambas ao mesmo tempo.

Aspectos Psicológicos da Perda

A perda de um ente querido é uma experiência muito difícil, pois quaisquer tristezas, sejam elas simples ou graves, impactam negativamente o psiquismo do indivíduo. As pessoas que fazem parte da nossa vida têm um significado especial, são preciosas e por mais que todos nós saibamos que um dia vamos morrer, e que a qualquer momento podemos perder alguém querido, não se pode imaginar o sofrimento e as conseqüências que esta perda pode trazer.
Sabe-se que a perda de um ente querido impõe a familiares e amigos a aceitação da morte e de sua irreversibilidade. A partir desse momento essas pessoas começam uma nova etapa de suas vidas. Conseqüentemente desfazem os laços que os uniam e reorganizam suas vidas para aprender a viver sem aquele que partiu.
Acontecem varias mudanças tanto psicológicas quanto espirituais e alterações na rotina das pessoas para sempre. De acordo com Pitta (1999) algumas características dos aspectos psicológicos são:
  • Insensibilidade e descrença: a pessoa se conforma com o que aconteceu, mas nada sente, é normal esse sentimento durar horas ou dias. A pessoa enlutada diz "eu não posso acreditar.", mostrando que a verdade dolorosa ainda não foi aceita.
  • A procura: muitas vezes a pessoa tenta encontrar com aquela que morreu indo ao cemitério, perambulando pelos cômodos da casa e outros lugares.
  • Raiva: algumas pessoas tentam responsabilizar alguém pela morte. Muitas vezes dirigem essa culpa aos profissionais da área da saúde, outras ficam furiosas com Deus e há a negação da fé.
  • Culpa: a pessoa se sente culpada pela morte do ente querido
  • A ansiedade: a pessoa fica inquieta, pois sua rotina foi quebrada.
  • Lamentação: quando a perda foi reconhecida, começa o período de lamentação.
  • Sensações corporais: é normal ouvir a voz, os passos, ver o rosto da pessoa no meio da multidão.
  • Atitudes e maneiras do falecido: a pessoa enlutada assume alguns papeis do falecido, negócios, trabalhos inacabados, etc.
  • Depressão e desespero: a pessoa se sente desamparada sem nenhum objetivo de vida, nada mais lhe importa.
Depois das características demonstradas pode-se perceber que cada pessoa reage de maneira diferente diante da situação da morte de um ente querido. Apesar de a morte ser o que temos de mais concreto em nossas vidas, Zimermam (2000, p.117) enfatiza que junto com a perda da pessoa existe o final de uma fase da vida:
As perdas são parte da vida: quando morre a mãe, morre também parte da nossa infância e adolescência; quando morre um filho, morre em nós o futuro previsto junto àquele filho, o sonho de vê-lo um profissional, pai de nossos netos, a pessoa que nos acompanharia até o fim de nossa vida.
As perdas são necessárias porque para crescer temos de perder, não só pela morte, mas também por abandono, pela desistência. Em qualquer idade, perder é difícil e doloroso, mas só através das perdas os seres humanos tornam-se plenamente desenvolvidos. Cabe salientar que as perdas incluem não apenas separações e abandonos, mas também a perda consciente ou inconsciente, de sonhos românticos, ilusões de segurança, expectativas irreais e outras. As perdas que enfrentadas ao longo da vida e das quais não se foge são basicamente duas: - Que o amor de nossos pais não é só nosso. - Que nossos pais vão nos deixar, e que nós vamos deixá-los.
Vale ressaltar que para o processo de recuperação ser facilitado é indispensável a ajuda e amizade de outras pessoas que já tenham passado por essa experiência. Os sentimentos de ansiedade e insegurança desaparecem aos poucos, dando lugar à confiança. Depois que a tristeza passa a pessoa descobre que pode retornar às suas atividades e outros interesses.

O Morrer: processo do luto antecipatório

Segundo Freud, (1999 apud Torres) “A vida, por, mas breve que seja, merecerá sempre ser vivida em toda sua plenitude. Nem a morte consegue ofuscar a validade de seus belos e inesquecíveis momentos.”
Como os membros de uma sociedade negadora da morte, carecemos de recursos para acompanhar esse estágio final da vida, sobretudo quando é uma criança que está morrendo. A morte de uma criança é um insulto, é traumática e suscita culpa. Não obstante, ”a morte não segue um horário previsível, ela escolhe seu próprio tempo e lugar” (KÜBLER-ROSS, s/d).
No câncer, a título de exemplo, quando de longa duração e sem perspectiva de cura, configura-se a fase terminal. Assim, não havendo mais recursos para deter o curso da doença e da morte, duelar com a doença somente traria mais sofrimento para o paciente e aqueles que o cercam. Neste caso, afirma Perina (1994), com o diagnóstico do câncer se conhece o mundo das doenças e com as recaídas, a incerteza do futuro e a possibilidade de ficar para sempre aprisionado no mundo subterrâneo da morte.
Feigemberg (1980) diz ser significativo o fato de a terminologia psiquiátrica e psicológica ter poucas palavras descritas para variedades de emoções e modos de reação ao morrer. A morte, na visão do autor, não é uma doença e não pode ser descrita somente em termos médicos e biológicos. Afirma ainda que, por tradição prevalece o lado biológico do morrer e da morte, e este é usualmente o ponto de referência. Mas o morrer tem um aspecto psicológico que é dominante, pois enquanto o componente biológico se torna cada vez mais uniforme – caracterizado por sintomas inespecíficos tais como fadiga e dor -, o componente psicológico se torna cada vez mais dinâmico e repleto de experiências emocionais.
O luto,como já se analisou, passa por um curso que vai de um choque inicial passando pelo desespero para chegar à recuperação e restituição, e pode se manifestar por diversos sintomas tais como choro, pertubações somáticas, pertubações do sono, reações hostis, culpa e depressão. Alem disso, em todo o luto há inevitavelmente tristeza e raiva. A família está triste porque está perdendo uma relação significativa e, de certa forma, está morrendo junto com a pessoa querida.

As Reações Psicossomáticas

O pesar nunca é limitado pela psique. Há também uma morbidez enorme originária das condições relacionadas com a tensão. Os ataques de colite ulcerativa, por exemplo, podem coincidir ou estar intimamente ligados com a perda do ente querido. De forma igual aumentam outras patologias de caráter auto-imune nas pessoas recentemente enlutadas.
Como se sabe, são características aqui as hipocondrias. Quando passageiras, fazem parte do pesar típico; mas se persistentes, indicam a necessidade de uma ajuda maior. Quando um paciente é deixado sozinho para educar uma jovem família, uma preocupação muito grande com sua saúde é uma conseqüência da ansiedade em que viverá sobre quem assumiria as tarefas se ele ou ela adoecessem. Sentir os sintomas da moléstia do falecido é um fenômeno de identificação, observado, sobretudo, no pesar crônico, ou um substituto parcial do pesar.
Não é de causar surpresa, em alguns casos, que a depressão associada ao pesar típico atinja formas mais graves. Nesses casos, pode-se chegar ao risco de suicídio. As idéias suicidas, muitas vezes, são uma manifestação do desejo de unir-se ao falecido e isto pode ser tolerado e elaborado com ajuda. Para outros pacientes, a vida realmente parece não valer à pena, ou aparecem idéias delirantes de culpa ou de malvadez. Isso deve ser levado a sério e a internação hospitalar de faz necessária, especialmente se o paciente vive sozinho.
A dor da perda, quando normal, pode ser assistida por amigos e familiares do enlutado, com a assistência necessária durante os funerais e, talvez por algumas semanas mais. Quando esta perda se configura em patologia, precisa de tratamento. As pessoas em isolamento social têm a possibilidade de um processo de pesar mais complicado, portanto necessitam de uma ajuda maior e mais prolongada.

Os Profissionais Diante da Morte

A maior parte dos profissionais da área da saúde, na sua lide cotidiana, está exposta à visão de morte mais que o restante da população, o que não os deve impedir de se preocupar e refletir sobre ela. De acordo com Pincus (1989), a morte é um acontecimento importante e deveria ser dado a estes profissionais o mesmo tempo de pesar que às outras pessoas, o que nem sempre acontece. Ao enfrentarem uma morte após outra, os profissionais da saúde podem imergir em um quadro de tristeza que pode levá-los ao estresse, provocando ora cansaço, ora atividade exagerada, cursando irritabilidade com outros problemas, o que eventualmente prejudicará sua eficiência no trabalho, podendo interferir na sua vida pessoal e familiar.

Reflexões Conclusivas

Morte e morrer são palavras que as pessoas costumam evitar dizer e duas questões sobre as quais a maioria de nós procura não pensar. Essa dificuldade de conviver e de trabalhar com a idéia da morte atrapalha a sua elaboração e impede que se lide com tranqüilidade com as perdas, que são naturais e ocorrem inevitavelmente ao longo da vida.
O luto é o sentimento de pesar ou de dor pela morte de alguém querido. O processo de luto e consternação pode ser breve e duradouro, de início súbito ou tardio, de pouca ou maior intensidade. Muitas pessoas descrevem um atordoamento como a primeira reação após a perda, que associado à negação, age como protetor que ameniza o sofrimento. No entanto, o luto é necessário para se encontrar um posterior equilíbrio e a sensação devastadora da perda requer, naturalmente, algum tempo para que possa ser processada.
A forma concreta de lidar com a morte e expressar o luto varia muito. Assim, pode ir de uma rápida superação até o extremo da obrigação de mostrar aos outros sentimentos de tristeza, dor e desespero por um longo período. Já outras pessoas permanecem enclausuradas no afastamento causado pelo pesar porque, embora solitárias e desoladas, isto as protege da tensão do ajustamento a um novo papel. Paradoxalmente é a difícil arte de sobreviver à ausência de pessoas queridas que nos torna aptos a recomeçar a vida.
Os sentimentos de ansiedade e insegurança desaparecem somente aos poucos, para dar lugar à confiança. Este processo de começar de novo pode ser facilitado com a ajuda e a amizade de outros que já tenham passado por uma experiência similar, tanto informalmente como por intermédio de uma organização.
O prolongamento do luto, quando a dor da perda se estende por muito tempo, é classificado como “luto patológico” e se caracteriza por uma melancolia duradoura, acompanhada em geral de profunda tristeza, problemas de saúde, distúrbios psíquicos e diminuição dos contatos sociais, o que exige processos de readaptação, com a ajuda de profissionais habilitados.
O tempo é visto como um poderoso aliado para o alívio da dor e sofrimento gerados pela morte de alguém querido. Os recursos internos, compreendidos pela saúde física e emocional, assim como os externos, constituídos pela rede social, são ferramentas importantes para a elaboração da perda, a despeito da dor e da tristeza. Para algumas pessoas, a descoberta de que é possível sobreviver à morte de alguém querido fortifica seu caráter descortinando-lhes novas possibilidades, o que lhes permite redirecionar a vida para novos horizontes e interesses.
Esse seria o resultado ideal, mas existem muitas complicações e obstáculos até o processo de pesar terminar, e o reconhecimento disto é importante para possíveis intervenções profissionais que aliviem um pouco do sofrimento e permitam que a morte e o enlutamento sigam seu curso natural.

AUTORES:
Claudete Cassimiro da Silva - Graduada em Psicologia pela Faculdade Santo Agostinho – Teresina-PI. Estudante do Curso de Pós-Graduação em Gestão de Sistemas de Saúde Pública apresentada a Múltipla Educação Profissional em Teresina – PI.
Orientadora Virgínia de Sá e Palis - Graduada em Licenciatura Curta em História pela Fundação Educacional de Ituiutaba-FEIT, Ituiutaba-MG - Graduada em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade do Triângulo-UNITRI, Uberlândia-MG – Especialista em Gerontologia Social pela Universidade Federal do Piauí-UFPI – Profª da Rede Particular de Ensino – Profª do Programa de Extensão Universitária para a Terceira Idade – PTIA-UFPI – Profª da UNATI – Universidade Aberta para a Terceira Idade-UESPI

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