I - O
CemitérioNo texto anterior, vimos que, dentre algumas
competências necessárias para aqueles que trabalham com a morte, é essencial
compreender as manifestações de um processo de luto, principalmente nos estágios
iniciais.
Competência e conhecimento são, sem dúvida, valiosas
ferramentas no dia-a-dia de quem trabalha com a morte e no contato com os
familiares enlutados. É preciso atendê-los bem em suas necessidades, uma vez que
eles se encontram num estado emocional atípico, de alta fragilidade e com
características próprias.
Neste artigo, gostaríamos de refletir com vocês
sobre uma questão que julgamos importante e circunstancial neste momento de
interlocução com quem trabalha em cemitérios e funerárias, independentemente da
função exercida, e que dificilmente veremos ser tratada com a devida importância
em meios de comunicação comuns ou, até mesmo, em artigos
especializados.
Vimos, anteriormente, que na nossa cultura a morte sempre
foi negada e escamoteada, assim, tudo que a ela esteja relacionada - no caso em
questão o cemitério e o funeral - se torna motivo de isolamento e afastamento. O
cemitério sempre foi representado pelo censo comum como um lugar de pavor e de
muito medo, basta ver a expressão de surpresa no rosto das pessoas quando ouvem
alguém dizer que trabalha em um cemitério ou em uma funerária. Contudo, é
indispensável, para quem exerce alguma atividade neste espaço, incorporar outros
significados que permitam justificar o mérito e a grandeza deste
oficio.
Qual é o papel do Cemitério no processo de luto?É
importante, neste momento, resgatar um outro olhar do que é um cemitério e qual
a sua importância na VIDA das pessoas que ficam. Vejam que destacamos a palavra
vida, porque ela também faz parte do trabalho daqueles que atuam no segmento
funerário.
Para compreendermos melhor esta questão, será necessário fazer uma
outra pergunta: o que é um cemitério? Segundo o dicionário Aurélio, cemitério é
o lugar onde se enterra e guarda os mortos.
Ressaltamos na definição do
Aurélio o trecho "guarda os mortos", porque observamos, ao lidar com os
enlutados, que o cemitério guarda muito mais do que corpos mortos. O cemitério
guarda, na verdade, maridos amados, filhos queridos, mães fortes, amigos fiéis,
namorados apaixonados, guarda as histórias vividas por aquelas pessoas
enterradas. É um lugar que, embora seja marcado pela tristeza, guarda lembranças
de momentos felizes também.
Para cada família, o jazigo é como se fosse
um lugar sagrado e cheio de simbolismos que só os familiares podem traduzir. Por
isso,é imprescindível, para uma interação adequada com os visitantes no
cemitério, que os sepultadores e o pessoal de campo possam compreender o imenso
significado que o jazigo tem e toda a diversidade de manifestações dos enlutados
que variam de cultura para cultura e de família para família.
Desta
forma, podemos perceber com mais clareza porque muitos familiares se enfurecem
quando vêem o jazigo sujo ou qualquer outra ocorrência, pois para eles não
interessam se o cemitério tem mil outros jazigos, aquele que guarda seu ente
querido é o mais importante. È possível também compreender melhor alguns pedidos
"estranhos" feitos pelos familiares, que, aparentemente, não têm nenhuma
correlação com a realidade, como por exemplo: pedir para colocar uma lanterna
junto ao caixão do filho que tinha medo do escuro.
Nossa prática com
famílias enlutadas nos mostra que as pessoas, mesmo as que não vão ao cemitério
com freqüência, pensam muito em como estará seu parente naquele lugar. Em dias
de chuva ou frio é comum, principalmente em sepultamentos recentes, que os
enlutados se preocupem com o fato do ente perdido estar sentindo frio ou sendo
molhado pela chuva. Estes questionamentos podem parecer de crianças, mas são
também interrogações dos adultos.
Se o cemitério guarda corpos que se
decompõe com o tempo, não podemos nos esquecer que ele é o cenário de vínculos
familiares que nunca vão se decompor ou desaparecer.
Para a sociedade em
geral, o termo
cemitério é pejorativo e vem associado a significados
fantasiosos. No entanto, para todos que trabalham no segmento funerário, o termo
cemitério precisa ser resignificado, devendo ser agregado a ele o valor
que tem para as famílias enlutadas como "o lugar que guarda quem eu
amei".
Nossa intenção deve ser sempre a de favorecer a qualidade do
atendimento aos clientes enlutados. Sabemos que o cuidado na abordagem, a
atenção e escuta das solicitações feitas poderão ser melhor encaminhadas a
partir do entendimento da amplitude que o significado do cemitério tem para os
familiares.
Esperamos que este texto venha contribuir para desmistificar
a idéia de cemitério como um lugar de medo e de morte, e que, paralelamente,
possa fortalecer a identidade profissional de todos aqueles que escolheram por
opção trabalhar neste lugar.
É preciso reconhecer, para alcançarmos uma
equipe cada vez mais envolvida em um atendimento ético e humanizada, que o
cemitério e o funeral têm o importante papel de permitir que o processo de luto
se efetive da melhor forma possível.
Fiquem
Atentos: que no próximo mês, trataremos do significado do funeral
para o processo de luto.
Fonte: Ana Lúcia Naletto e Lélia
Faleiros Oliveira são psicólogas do Centro Maiêutica e desenvolvem trabalhos na
área de luto em cemitérios, crematórios e funerárias. www.centromaieutica.com.br